Lei do Orçamento virou ficção

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A Lei Geral dos Orçamentos (LGO — Lei 4.320/1964) foi considerada, no passado, um avanço e uma conquista importante para a democracia. Hoje, desatualizada e pouco acatada pela União, transforma o orçamento anual do governo em “uma verdadeira peça de ficção”, afirmou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante seminário organizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV Projetos) e pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em comemoração aos 50 anos da LGO.

“O Orçamento normalmente é visto como uma peça de ficção, já que pouco do que é aprovado é efetivamente cumprido. O Brasil avançou significativamente. Por isso, a lei de 1964 precisa ser atualizada”, reforçou Gilmar Mendes. A modernização se tornou mais urgente após a Constituição de 1988, o Plano Real (1994) e o surgimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), disse o ministro. Mendes também reclamou dos “restos a pagar” — despesas aprovadas num ano, mas transferidas para o exercício seguinte. “O Orçamento só é importante se o que está nele é um espelho do que realmente será feito. Mas o que acaba funcionando mesmo é o contingenciamento de recursos”, assinalou.

Em contraponto a Gilmar Mendes, o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), defendeu mecanismos que aumentem a transparência da LGO e tornem a peça orçamentária mais participativa, mas discordou da avaliação de que ela é mera “peça de ficção”. Ele admitiu, porém, que o contingenciamento habitual de recursos só acontece porque, todos os anos, o Orçamento é inflado com emendas de parlamentares.

Também presente ao seminário, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) apoiou o aprimoramento da LGO e o fim de distorções como os restos a pagar. “Temos que prever como lidar com isso agora, quando o país vive um momento econômico bom”, disse, ao explicar que mudanças feitas pelos parlamentares, como a aprovação do orçamento impositivo, em 2013, tiveram impactos na Lei. “A partir de agora, determinadas despesas decididas pelo Congresso deverão ser necessariamente executadas”, lembrou. Para aperfeiçoar a LGO, Renan sugeriu a aprovação de parecer do senador Francisco Dornelles (PP/RJ) ao Projeto de Lei Complementar do Senado (PLS 229/2009), que reorganiza a elaboração da proposta orçamentária anual.

O diretor da FGV Projetos César Cunha Campos lembrou que o seminário é uma forma de chamar a atenção da sociedade para a LGO. “O Orçamento é fundamental e o Brasil precisa modernizá-lo, até mesmo para a população entender onde estão alocados os recursos.”

Engessamento

Para José Roberto Fernandes, secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento (MPOG), são muitos os desafios para a atualização da LGO. “Mas não se faz um orçamento com vinculação de receitas”, alertou. Fernandes disse que “as pessoas reclamam dos restos a pagar, mas a origem deles surge da necessidade de cumprir meta fiscal, em um ambiente instável, o que faz com que se tenha descasamento entre dotação e empenhos”.

Segundo o secretário, a obrigação de aplicar as emendas parlamentares pode significar uma reserva de mercado perigosa. “Se todas as receitas estivessem vinculadas, bastaria apertar um botão e estaria feito. Mas orçamento não é isso”, criticou, ao manifestar preocupação um possível “engessamento” de uma peça, que, na verdade, é também política.

Atualmente, o orçamento federal é de R$ 1,1 trilhão. Após as despesas com pessoal, previdenciárias e com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), sobram R$ 287 bilhões, explicou Fernandes. Daí saem recursos para investimentos, a área de ciência e tecnologia e os ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social. Sobram R$ 40 bilhões para outras necessidades e, ainda, fazer superavit primário (economia para pagar os juros). “Isso mostra como funcionam as finanças, e que a lei dificulta até a obtenção do resultado primário. Como está, não pode ficar”, defendeu.