Uma conta salgada

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A Polícia Federal gasta R$ 5,4 milhões em um ano com as remoções de servidores por ofício, que só dependem da canetada da direção-geral. Ajudas de custo individuais, para bancar passagens e transporte de móveis, chegam a R$ 69 mil
 
O vaivém de servidores da Polícia Federal, removidos de ofício, por canetada da direção da instituição, consumiu mais de R$ 5 milhões em apenas um ano em pagamento de ajudas de custo. Dados obtidos pelo Correio mostram que, dos 200 profissionais transferidos internamente no Brasil, de agosto de 2012 a julho de 2013, 20% embolsaram individualmente mais de R$ 50 mil. Dois delegados chegaram a levar R$ 69 mil ao serem deslocados. Os recursos – que custeiam a passagem aérea do servidor e de seus dependentes, além dos gastos com mobiliário – somam 10% de tudo que a PF pretende investir, neste ano, no Centro Integrado de Inteligência Policial e Análise Estratégia (Cintepol).
 
Entre os 200 beneficiários das remoções realizadas pela PF naquele ano, sob a justificativa legal de interesse da administração, mais de 60% (ou 130) eram delegados. Detentores de outros cargos dentro da carreira policial da instituição também foram transferidos de ofício com ônus para o Estado: 30 peritos, 28 agentes, 11 escrivães e um papiloscopista. Juntos, esses profissionais receberam R$ 1,5 milhão a título de ajuda de custo. No caso dos delegados, o montante desembolsado pela administração pública chegou a R$ 3,9 milhões. O total gasto é de R$ 5,4 milhões.
 
Chama a atenção o caso de dois profissionais cujas ajudas de custo, por poucos reais, não atingiram R$ 70 mil. Um deles é um delegado que, em maio do ano passado, foi removido da superintendência da PF na Paraíba, em João Pessoa, para a mesma unidade no Recife. A distância entre as duas cidades é de aproximadamente 120km. O valor para custear três passagens aéreas e um mobiliário ficou em R$ 69,8 mil. A outra transferência pesada para o contribuinte foi a de um delegado que saiu da superintendência da instituição em Palmas para a localizada em Cuiabá, em junho de 2013. No caso, também foram pagos três bilhetes aéreos e o transporte de móveis.
 
Estão na faixa desses dois delegados – de R$ 60 mil a R$ 70 mil por ajuda de custo – outros 14 policiais federais. Dezenove profissionais receberam, no período analisado, entre R$ 50 mil e R$ 59,9 mil. Para 13, o valor embolsado variou de R$ 40 mil a R$ 49,9 mil. Outros 19 ficaram com somas entre R$ 30 mil e R$ 39,9 mil. De R$ 20 mil a R$ 29,9 mil, foram 38 beneficiários. A faixa mais volumosa, porém, fica entre R$ 10 mil e R$ 19,9 mil, com 71 policiais. Somente 14, dos 200 removidos entre o segundo semestre de 2012 e o primeiro de 2013, embolsaram menos de R$ 10 mil.
 
Normas
 
As remoções na Polícia Federal são reguladas pela Instrução Normativa nº 64/2012, que estabelece requisitos para as transferências de ofício, definidas em última instância pela direção-geral da instituição. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão ressalta que “esse tipo de remoção ocorre para ocupação de função gratificadas, incluindo chefias de Direção e Assessoramento Superior (DAS), além de outras consideradas estratégicas, tais como: adidâncias e oficialatos de ligação no exterior”. A PF destaca, ainda, que “o servidor exonerado da função deve retornar de ofício para a sua unidade de origem”. O regramento para as remoções segue dispositivo do Decreto nº 4.004/01 da Presidência da República, acrescentou a nota.
 
A PF informou ainda que “as remoções realizadas de ofício, nos últimos anos, somam apenas 18% do total de remoções realizadas pelo órgão”, sem especificar o período compreendido na expressão “últimos anos”. Ao classificar como “baixo” o percentual, a instituição destacou que ele “tende a diminuir ainda mais neste ano diante do concurso de remoção que ocorrerá em 2014”. Segundo o órgão, tal movimentação será possível porque novos servidores aprovados no último concurso estarão tomando posse em breve. São esperados novos 150 delegados, 350 escrivães, 100 peritos e 550 servidores do quadro administrativo da PF. 
 
 
Destinos preferidos
 
Três em cada quatro remoções de ofício feitas pela Polícia Federal no período de um ano, entre 2012 e 2013, garantiram destinos iguais ou melhores aos profissionais transferidos com ajuda de custo bancada pelos cofres públicos. A classificação das cidades é oficial, feita pela própria PF, em uma escala que varia de 1 (capitais consideradas boas, como Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte e Aracaju) a 4 (locais distantes dos centros urbanos, com baixa qualidade de vida). Nada menos que 76% das movimentações foram para cidades com pontuação maior que a de origem ou ao menos semelhante.
 
O ranking dos destinos mais acessados pelos removidos foram Brasília, Natal, São Paulo, Curitiba e Florianópolis. Todas elas são cidades com pontuação 1 na classificação da PF. Mas a capital federal se destaca, mesmo diante das praias paradisíacas catarinenses ou da funcionalidade da capital paranaense. Para cá, vieram 43 dos 200 policiais federais transferidos de ofício no período analisado. Porém, deixaram a capital 27 profissionais. Esse saldo de 16 profissionais a menos, entre os que saíram e os que chegaram, é particularidade de Brasília. Nos demais locais, costuma ser bem menor ou mesmo zerado.
 
“Uma dança das cadeiras”, alegam os críticos ao modo como as remoções de ofício vêm sendo feitas. Eles apontam o protocolo como uma forma de garantir ajudas de custo polpudas a determinados profissionais, e não como transferências para lugares em que realmente há necessidade de efetivo. Pouco mais de 7% de todo o efetivo de delegados da PF foram removidos de ofício de agosto de 2012 a julho de 2013. Esse índice é de 2,7% entre os peritos. No caso de escrivães, papiloscopistas e agentes, o percentual não passa de 0,6%.  
 
 
  Aposentadoria rápida
 
Entre as duas centenas de policiais federais removidos de ofício pelo órgão, entre agosto de 2012 e julho de 2013, dois deles se aposentaram logo depois da transferência pela qual receberam ajudas de custo de cerca de R$ 20 mil, cada um. Eles saíram de Brasília – um terminou a carreira em Belo Horizonte e o outro, em Governador Valadares (MG). O órgão destacou, em nota, que não há proibição legal de pagamento da indenização pelas despesas acarretadas por remoção a servidor com condições de se aposentar.
 
“Pelo contrário, o decreto estabelece que o servidor pode retornar a sua unidade de origem após exoneração de função gratificada e faz jus a ajuda de custo, não prevendo a possibilidade de aposentadoria”, diz a resposta encaminhada pela PF por ofício. A justificativa é que o policial federal que foi para Belo Horizonte havia sido trazido para Brasília para chefiar uma seção. O outro tinha sido lotado na capital federal para suprir falta de efetivo. Ambos, de acordo com a instituição, têm direito de retornar para as unidades de origem recebendo as ajudas de custo de quase R$ 20 mil antes de se aposentar.

 

Embora as transferências e os pagamentos estejam amparados por lei, o que se comenta nos bastidores da PF é que as remoções de ofício são verdadeiros prêmios a quem tem bom trânsito com as chefias. Há exemplo de um delegado transferido três vezes no período de quatro anos. As justificativas, alegam os críticos dessa modalidade de remoção, são nebulosas, além de causar mal-estar entre profissionais que deveriam, por mérito, serem alçados aos cargos de chefia na própria cidade onde trabalham – em vez de os postos serem ocupados com os transferidos.