Dúvida capital

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Autor(es): Antônio Machado

O governo emitiu, na semana passada, sinais de que pretende mudar a relação com empresários, e não foi só pela estreia da presidente Dilma Rousseff no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Existe a possibilidade de o Executivo cortar gastos e ampliar o minguado superavit primário, que, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), não passará de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

A ideia é tentar fazer a política fiscal ajudar, ou atrapalhar menos, a monetária. Aliás, quanto a esse segundo ponto, o Banco Central (BC) acaba de divulgar sua ata com uma eloquência como há muito tempo não se via. Afirmou que a inflação “tem se mostrado ligeiramente acima do que se antecipava”, sugerindo elevação maior dos juros.

Especialistas em contas públicas consideram impossível cortar gastos em ano eleitoral. Se o governo quisesse realmente equilibrar as contas públicas, argumentam, deveria ter feito isso entre 2011 e 2013. Mas agiu no sentido oposto, reduzindo o superavit e ainda por cima usando artifícios contábeis para amenizar a queda.

Segurar o caixa em ano de campanha soa mesmo implausível. Mas alguns analistas argumentam que Dilma tem uma vantagem tão confortável em relação aos prováveis concorrentes nas urnas que pode dar-se o luxo de uma ou outra medida impopular. Além disso, há que ser considerado, ao lado do ônus político, o bônus: os votos de eleitores mais ricos e escolarizados, que tenderiam a ficar com a oposição.

Há um terceiro fator: caso o governo não faça nada, arrisca-se a ver, em plena campanha, o Brasil perder o grau de investimento. O prejuízo prático mensurável disso seria o aumento do custo da rolagem da dívida. Mas o efeito imponderável é muito maior, atingindo planos de investimentos e, de modo mais amplo, a imagem do país.

O descontentamento dos empresários é um problema bastante real, ainda que não tenha contornos explícitos. Eles não costumam manifestar isso em público. Mas, em conversas reservadas, nunca se queixaram tanto da política econômica, considerando-se ao menos o período pós-estabilidade iniciado em 1994. Se Dilma deu sinais importantes em Davos, por enquanto, há um grande ceticismo por parte do capital.

Aquém do antecessor

Na visão dos que tocam as empresas, compartilhada por muitos economistas, o Brasil passou por uma mudança maior depois da eleição de 2010 do que na de 2002. Aliás, entre Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato de Lula, a transição foi quase imperceptível. A situação do país era ruim por conta da desconfiança construída em cima do passivo acumulado no governo FHC — a dívida bruta atingiu 76,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim do ano — e da desconfiança que inspirava o Lula candidato. A adaptação de discurso veio ainda na campanha, com a “Carta aos Brasileiros”, mas não ficou só nisso. Houve atitudes de peso depois da posse.

Empresários desconfiam de gestos simpáticos em ano eleitoral. E gostariam de ver sem demora um governo mais parecido com o do primeiro mandato de Lula

O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci revelou que, logo no início do governo, levou a Lula opções de um choque mais forte ou mais ameno na economia. O presidente ficou com a solução mais drástica. Quando ele subiu pela primeira vez a rampa do Planalto, a Selic (taxa básica de juros do Banco Central) era de 22% ao ano. Foi elevada para 25% ainda em janeiro. E chegaria a 26,5% ao longo do ano antes de começar a curva descendente.

Não foi só isso. A política monetária e a fiscal andaram na mesma direção. O superavit primário encerrou 2003 em 4,25% do PIB, acima do patamar do ano anterior. Houve, ainda, o esforço no jogo político propriamente dito, com a aprovação de uma reforma para conter o peso dos aposentados do setor público.
Lula foi um dos presidentes que mais cultivou o diálogo. Graças à sua experiência sindical, sabia ouvir. E sabia que ouvir não bastava. Percebeu que era necessário construir em quatro anos as bases de credibilidade que rendessem dividendos econômicos e políticos, incluindo a conquista do segundo mandato.
O PIB cresceu apenas 0,5% em 2003, mas em 2004 ampliou-se 5,7%. Na média dos oito anos de Lula, ficou em 4%, bem acima do antecessor (2,3%). No quadriênio que se encerra em dezembro, Dilma ficará com algo perto de 2%. É bom lembrar que Lula não manteve o nível de responsabilidade fiscal no segundo mandato. Em 2008, o superavit primário foi 4,07%. Em 2009, caiu para 2,06%. No governo Dilma, porém, a situação piorou bastante. Além da queda, houve artifícios. Em 2012, usaram-se recursos do fundo soberano. No ano passado, ampliou-se o Refis. E chegou-se a mero 1,5%.

E agora?

Mas, afinal, o que querem os empresários, os banqueiros e os economistas pró-mercado? Não esperam, pelo menos em sua maioria, a construção de um Brasil neoliberal, baseado nos preceitos da escola austríaca. Ainda que haja críticas às políticas, aceitam, em maior ou menor grau, o fato de que os eleitores escolheram uma presidente que prega papel ativo do Estado na indução do crescimento econômico. O problema maior, contudo, é que o conjunto de medidas tomadas não cabe na arrecadação de impostos, que já não é pequena.

É bom lembrar que os gastos com programas direcionados aos mais riscos superam, em muito, os destinados aos mais pobres. Assim, cortes não precisam ser injustos. Além da tesoura, seriam bem-vindas proposições de medidas com efeito de longo prazo. Reformar a Previdência mais uma vez será inevitável. Quanto antes começar o processo, melhor.
O que os empresários não querem de modo algum é a ausência de medidas concretas e de compromissos claros. Sem isso, sorrisos e gestos simpáticos em ano eleitoral podem parecer apenas oportunismo.