A economia de Mercadante

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Autor(es): Carolina OMS

Uma presidenta centralizadora e difícil no trato. É essa a imagem de Dilma Rousseff entre empresários, auxiliares e mesmo entre muitos ministros. Mas não para Aloizio Mercadante, novo titular da Casa Civil. Ao contrário do que seria de esperar, o ministro que caiu nas graças de Dilma não tem medo de se expor na imprensa durante as negociações com os congressistas e, ocasionalmente, de discordar da presidenta. De certa forma, os dois são parecidos: ambos são economistas, defendem mais intervenção do Estado na economia para melhorar a distribuição de renda e não têm medo de cobrar as tarefas que delegaram aos subordinados – nem sempre de forma gentil.

Candidato derrotado ao governo de São Paulo em 2010, com oito milhões de votos, Mercadante desembarcou discretamente na Esplanada dos Ministérios no ano seguinte, como ministro da Ciência e Tecnologia. Uma pasta com orçamento baixo, mas que ganhou visibilidade com seu discurso de inovação tecnológica e a criação do Ciência Sem Fronteiras, um programa de bolsa de estudos no Exterior. Em 2012, quando Fernando Haddad deixou o Ministério da Educação para se candidatar à Prefeitura de São Paulo, Mercadante assumiu a pasta, citada várias vezes como prioritária pela presidenta. Sua nomeação devolve à Casa Civil o status perdido com a queda de Antonio Palocci, em 2011.

Embora tenha um orçamento pequeno, a Casa Civil coordena o trabalho de todo o governo, chefia os outros ministros e é a última parada dos projetos antes que cheguem à mesa da presidenta. Sua antecessora, Gleisi Hoffmann, evitou se envolver na articulação política – a cargo da colega Ideli Salvatti, ministra de Relações Institucionais – e ficou restrita às decisões técnicas e administrativas, dedicando muito tempo a elaborar o programa de concessões. Nesse período, Mercadante, aos poucos, tornou-se um auxiliar influente dentro do reduzido círculo do Palácio do Planalto.

Santista, 59 anos, economista formado na Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mercadante não vai cuidar diretamente da economia. Mas a presença de outro economista no Planalto pode ampliar as discussões sobre o tema. Não se esperam, no entanto, grandes mudanças na política econômica, já que Mercadante e Dilma têm posições semelhantes. Ambos foram influenciados pelo pensamento da Unicamp e da economista Maria da Conceição Tavares, expoente do desenvolvimentismo, que propõe a ação do Estado para incentivar a industrialização.

Mas o próprio Mercadante rejeitou o rótulo em sua tese de doutorado, apresentada em 2010, na qual afirma que o PT implementou o que ele chama de “novo desenvolvimentismo”. No trabalho acadêmico, apresentado para uma banca que incluiu o ex-ministro Delfim Netto, Mercadante afirma que Lula conseguiu se diferenciar do nacional-desenvolvimentismo que predominou no País dos tempos de Getúlio Vargas até o fim da ditadura militar e do neoliberalismo de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista no fim do ano passado, quando a inflação já caminhava para ficar acima do centro da meta pelo quarto ano consecutivo, ele disse que a estabilidade é “absolutamente indispensável no novo ciclo econômico do País”.

Mas que também é necessário “distribuir renda, diminuir desigualdades e criar mercado de consumo de massa”. Embora seja esperado que, por sua formação econômica, Mercadante contribua no debate interno do governo, dificilmente conseguirá quebrar a regra criada por Dilma, de que as declarações sobre economia competem exclusivamente ao ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Ele deve evitar ruídos desnecessários ou sinais de radicalização em ano eleitoral”, afirma o cientista político Rafael Cortez, analista da Tendências Consultoria. Questionado sobre o assunto, Mercadante já deixou claro que pretende evitar polêmicas. “Quem fala de economia é o ministro da Fazenda e quem fala sobre juros é o presidente do Banco Central”, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em abril de 2013.

Ele recusou a tese de que é necessário aumentar o desemprego para combater a inflação. “É possível, sim, combater a inflação e manter a estabilidade preservando o emprego”, afirmou. E deixou bem claro o que considera prioritário na economia. “O que é o PIB para o povo? O PIB para o povo é emprego e renda. E o emprego e a renda continuam crescendo”, disse. Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor de Dilma na Unicamp e conselheiro informal do governo desde a chegada de Lula ao Planalto, a presença de Mercadante perto de Dilma a ajuda numa espécie de “vigilância” sobre o mercado. “A presença de mais um economista no governo é importante para não ser enganado pelos economistas, para filtrar, para tomar as decisões”, diz Belluzzo.

Com o economista, a Casa Civil voltará para a linha de frente da articulação política. No Partido dos Trabalhadores desde a fundação, em 1980, Mercadante já foi deputado federal, coordenador da campanha presidencial de Lula em 1989 e, em 2002, foi o senador mais votado do País. Apesar do estilo direto, que não agrada a todos, Mercadante também deve ajudar a negociar a aprovação de projetos de interesse do governo no Congresso. Foi o que fez no ano passado, ao trabalhar nos bastidores na votação da lei que garante a aplicação dos royalties do petróleo na educação. “Ter alguém eficiente para coordenar as ações de governo é fundamental, sob pena de a presidenta consumir o seu bem mais precioso, que é o tempo, como tem feito ultimamente”, afirma Antônio Augusto de Queiroz, consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

É justamente essa a expectativa do diretor de pesquisas da BRAiN – Brasil Investimentos & Negócios, André Sacconato. Ele acha que Dilma percebeu a necessidade de falar mais com a sociedade. “O Mercadante é visto como alguém que consegue discutir, que tem conhecimento econômico e visão geral de governo.” Em junho, quando o governo se reuniu para discutir os protestos que levaram centenas de milhares de pessoas às ruas em todo o País, foi Mercadante quem anunciou as medidas que seriam adotadas. Foi o momento em que ficou mais evidente que ele havia se convertido num auxiliar influente no Planalto.