Educação cria tensão política

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Autor(es): GRASIELLE CASTRO

A tensão entre o governo, os estados e os municípios está prestes a ganhar um novo capítulo. Desta vez, a pressão começou a ser feita pelos professores. Insatisfeita com o reajuste de 8,32%, diante dos 15% esperados, e com o fato de apenas cinco unidades da Federação cumprirem a Lei Nacional do Piso integralmente (Acre, Ceará, Distrito Federal, Pernambuco e Tocantins), a categoria planeja para o fim do mês uma mobilização com pelo menos 2 mil pessoas em Brasília, o que pode desencadear uma greve.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) alega que o Ministério da Educação “maquiou” o valor do indexador para fazer com que o reajuste fosse baixo e causasse pouco impacto no orçamento dos estados. Com isso, o atrito seria menor. A relação entre as esferas de poder está desgastada desde as discussões sobre o projeto de renegociação da dívida de estados e municípios, prevista no Projeto de Lei Complementar nº 238/13.

Ontem, o presidente da CNTE, Roberto Flankin Leão, participou de uma audiência com o ministro Aloizio Mercadante para discutir a aplicação da lei, que além do salário, estabelece a composição da jornada de trabalho. De acordo com Leão, pelos dados que foram publicados ao longo do ano passado, a categoria projetou um reajuste que giraria em torno de 15%. Segundo ele, o governo destinou, em 2013, aos estados, pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) — que é o indexador da atualização da remuneração —, cerca de R$ 117 bilhões, superando as expectativas de R$ 116 bilhões. Entretanto, Leão afirma que o reajuste foi feito com base no repasse de R$ 111 bilhões, o que resultou em um piso de R$ 1.697. “Isso vai contra a lei, contra o princípio da valorização. É uma manobra contábil. Foi feita uma maquiagem nos dados e nós não concordamos”, argumenta. No ano passado, foi feita uma greve nacional de três dias e o cenário para este ano, de acordo com a CNTE, também pode terminar em paralisação.

Punição

A entidade também reclama da falta de uma punição para quem não cumpre a legislação. Para o presidente da CNTE, desde a elaboração da lei, é discutida uma forma de exigir que os estados cumpram a norma na íntegra. “Mas o artigo que trata sobre isso foi vetado sob o argumento de que já existia uma lei que enquadra esse tipo de crime, a da improbidade administrativa. O problema é que, na prática, ninguém é punido. Fazer essa responsabilização acontecer é uma das coisas mais difíceis”, justifica. Leão acrescenta que o tema voltou à pauta nas discussões do Plano Nacional de Educação (PNE). “O texto chegou a ser alterado, mas o artigo foi novamente vetado”, completa. A esperança da categoria, de acordo com ele, é a Lei de Responsabilidade Educacional, que está em discussão no Congresso Nacional.

O Ministério da Educação nega que tenha manipulado os dados. De acordo com a pasta, os cálculos são feitos pelo Tesouro Nacional, e o papel do MEC é apenas anunciar o valor do reajuste. No ano passado, a pasta junto ao CNTE, com o Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), formou um grupo de trabalho para rever a lei, sob o objetivo de encontrar um indexador de consenso. O Consed apresentou uma proposta que vinculava o salário dos docentes à variação do INPC mais 50% da variação real do Fundeb. O texto foi rejeitado pelos professores. A pasta enfatiza que não abre mão do ganho real, mas ressalta que entende a dificuldade de alguns municípios e estados.

Memória

Cobrança recente

Em abril do ano passado, os docentes pararam por três dias para cobrar o cumprimento da Lei do Piso dos Professores. O indicativo da paralisação foi aprovado em janeiro, e três meses depois, profissionais de 22 estados cruzaram os braços de terça a quinta-feira. No período, cada unidade da Federação convocou uma reunião para decidir os rumos da greve.

São Paulo, por exemplo, iniciou a paralisação um dia antes dos demais estados e seguiu a mobilização por tempo indeterminado. Embora pague a remuneração mínima aos professores, o estado não cumpre a norma integralmente, não respeita a jornada de 40 horas semanais com um terço destinado a atividades extraclasses.

Na época, a campanha nacional também exigiu a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), que foi referendado no Senado no fim do ano passado e retornou para apreciação da Câmara dos Deputados. A luta era pela aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor, que continua na proposta. A mobilização fez parte da 14ª Semana Nacional em Defesa e Promoção da Educação Pública de Qualidade.