Drama capixaba passa pelo descaso político

399

Autor(es): LEANDRO KLEBER » VINICIUS DORIA

O transbordamento do Rio Congo, que alagou dois bairros de Vila Velha (região metropolitana de Vitória) e destruiu casas e pertences de moradores, é um exemplo da lentidão do poder público para resolver problemas que se agravam a cada ano, a cada temporada de chuva. Em 2 de dezembro de 2009, o Ministério das Cidades assinou um convênio com a prefeitura do município que previa obras de “macrodrenagem do Canal do Congo em Vila Velha (ES)”. Porém, apenas em outubro deste ano, mês em que as chuvas já atrapalham a execução desse tipo de obra, o projeto começou a sair do papel. De acordo com boletim da Defesa Civil divulgado no começo da noite de ontem, o número de mortos no Espírito Santo já chega a 21. Mais de 48 mil pessoas estão desabrigadas ou desalojadas em 50 municípios atingidos. Em Itaguaçu, no noroeste do estado, a situação dramática fez com que dezenas de pessoas, incluindo crianças, disputassem, no chão, a comida suja de lama descartada por um mercado.

A demora no planejamento e na execução das obras prejudica a liberação da verba que é prevista nos principais programas do governo federal para prevenir danos provocados por desastres naturais. Este ano, somente 60% dos R$ 5,2 bilhões autorizados no orçamento de vários ministérios — principalmente Integração Nacional, Cidades e Defesa — foram efetivamente destinados aos estados. Os dados, coletados pela ONG Contas Abertas nos sistema oficiais de registro de despesas da União, estão atualizados até 22 deste mês. A situação, no ano passado, foi bem pior. O governo estimou desembolsar R$ 5,7 bilhões em obras de prevenção a desastres e reconstrução de áreas atingidas. Porém, só R$ 2,1 bilhões, equivalente a 37%, foram aplicados durante todo o ano.

Além da baixa execução orçamentária, ainda há o problema do favorecimento político. De acordo com o Contas Abertas, dos R$ 3,2 bilhões liberados este ano, Pernambuco — domicílio eleitoral do ex-ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra (PSB), e governado por Eduardo Campos, presidente do PSB — foi o maior contemplado. Pouco mais de R$ 400 milhões foram destinados a projetos no estado, enquanto o Rio de Janeiro, segundo colocado entre os principais contemplados, ficou com R$ 286 milhões. Já o Espírito Santo, estado mais castigado neste início da temporada de chuvas, é um dos que menos receberam recursos federais em 2013: somente R$ 13,6 milhões.
A promessa de autoridades e de políticos na época da assinatura do convênio entre o Ministério das Cidades e a prefeitura de Vila Velha era concluir as intervenções do Canal do Congo até novembro de 2014, a um custo total de R$ 58 milhões. Só que o próprio subsecretário de Obras da cidade, Gustavo Perim, admite que o problema do estrangulamento do curso d’água que separa os bairros 23 de Maio e Ulysses Guimarães só deverá ser resolvido em um ano e meio, a um custo de R$ 150 milhões. Moradores do local contam que convivem com as enchentes, pelo menos, duas vezes por ano.

Mortes e destruição

A presidente Dilma Rousseff, que sobrevoou ontem as áreas atingidas no estado governado por Renato Casagrande (PSB), disse ontem, no Twitter, que a tragédia das chuvas destruiu casas, estradas e sonhos. “Vamos tentar reconstruir os três. Primeiro, vamos agir e liberar todos os recursos necessários para resgatar as pessoas, salvar as vidas e abrigar as famílias atingidas. Em seguida, vamos reconstruir as cidades e os municípios alagados — reconstruir estradas, hospitais, escolas, moradias”, disse.
Em Colatina, no noroeste do estado, a população enfrenta a maior cheia do Rio Doce já registrada. O nível do rio ultrapassou em quase 10 metros o seu nível normal. A cidade está alagada e seis pessoas morreram. O juiz aposentado Roberto de Castro disse ao Correio que a noite de Natal não foi de alegria. “Não conseguimos fazer uma ceia de Natal perfeita. Ninguém aqui conseguiu. O clima na cidade é de desolação. Nas ruas inundadas, é comum ver pessoas chorando. Muita gente perdeu tudo o que tinha. Os prejuízos do comércio são enormes. Foram duas enchentes na cidade em menos de duas semanas. A cheia deste ano é a pior que eu já vi. Superou a grande enchente de 1979, que tinha sido a pior da cidade”, relatou.