Verba antienchente parada nos cofres

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As fortes chuvas de verão, que acontecem todos os anos nos meses de dezembro e janeiro, já começaram a causar mortes e destruição em várias partes do país. Na madrugada de domingo, 10 pessoas foram vitimadas em Lajedinho (BA). Na semana passada, quatro morreram no Rio de Janeiro. Apesar de as tempestades serem previsíveis pelos meteorologistas para este período, as autoridades públicas brasileiras ainda continuam patinando com as políticas de prevenção a enchentes e deslizamentos. O principal programa federal que trata do tema, chamado de gestão de riscos e resposta a desastres, ficou longe da prioridade governamental vista nos discursos oficiais.

Os seis ministérios que têm verba do programa — Integração Nacional, Cidades, Defesa, Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e Meio Ambiente — tiveram R$ 5,2 bilhões este ano para desembolsar em ações de defesa civil, contenção de encostas, sistemas de drenagem urbana e manejo de águas pluviais e desassoreamento e recuperação de bacias. Porém, passados mais de 11 meses, as pastas, juntas, gastaram somente 51% do total, cerca de R$ 2,7 bilhões.

Vários projetos previstos no orçamento deste ano não saíram sequer do papel. É o caso da rubrica de “apoio ao planejamento e execução de obras de contenção de encostas em áreas urbanas (prevenção de riscos)”, com previsão de R$ 401,4 milhões. Nenhum centavo foi liberado até agora. Outra rubrica, a de “obras de macrodrenagem e controle de erosão marinha e fluvial”, também ficou sem ver a cor do dinheiro. Estavam estimados gastos de R$ 169,7 milhões entre janeiro e dezembro.

Em agosto de 2012, o governo federal lançou o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Alertas de Desastres Naturais, que previa, entre outras metas, a instalação de nove radares meteorológicos do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden). O primeiro deles, porém, foi inaugurado somente no início deste mês, na Base Aérea de Natal. Os demais, já adquiridos pelo governo, devem ser instalados somente em 2014. Nos últimos cinco anos, 2.063 pessoas morreram no país vítimas de enchentes e desmoronamentos. A maior parte delas, 1.023, na Região Serrana do Rio de Janeiro, palco da maior tragédia do tipo no país, em 2011.

O professor de geologia do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB) José Oswaldo de Araújo Filho lamenta que o Estado não consiga gastar o dinheiro previsto para executar obras de prevenção de enchentes. Segundo ele, se o país investisse o orçamento necessário para fazer o trabalho de contenção de encostas, por exemplo, os problemas seriam minimizados. Ele lembra que ainda não existem estudos geotécnicos nas grandes cidades brasileiras. O trabalho serve de embasamento para que as autoridades saibam mais detalhes sobre o solo e, assim, protejam o local de desastres.

“Isso, agora, está sendo feito, mas ainda não completamente. O mapeamento é absolutamente necessário. Não haveria essa recorrência de desastres se isso fosse feito”, explica. De acordo com o professor, os políticos argumentam que os problemas de moradia, às vezes, não podem ser controlados. “Eles dizem que as pessoas necessitam de moradia e ocupam lugares perigosos e mais baratos. Isso é um problema, principalmente em cidades com relevo acidentado como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador”, diz.

Governo
O Ministério da Integração Nacional, pasta que tem a maior parte da verba do programa de gestão de riscos e resposta a desastres, nega que tenha desembolsado menos da metade dos recursos previstos para este ano. De acordo com a assessoria de comunicação do órgão, de janeiro até agora foram aplicados 65% do total estimado. A pasta ressalta que os responsáveis pelas execuções são os estados e municípios. “Para eles (entes federativos), o ministério presta assistência para que o acesso ao recurso ocorra o mais rápido e da forma mais transparente possível”, explica a assessoria.

A Integração afirma ainda que, desde o ano passado, com a união de dois programas que antes eram separados, o de prevenção a desastres e o de resposta às catástrofes, têm sido mais ágeis as providências tomadas frente a situações de emergência provocadas por temporais. “O Brasil começou a vencer o desafio de se organizar para enfrentar os desastres naturais e consolidar um sistema nacional de gestão de riscos e respostas”, diz a assessoria.

Investimento a conta-gotas
Confira a execução orçamentária do programa de gestão de riscos e resposta a desastres, cuja verba está distribuída em seis ministérios:

Quanto o governo previa gastar este ano Quanto o governo realmente gastou até agora
R$ 5,2 bilhões R$ 2,7 bilhões (51% do total)

Mortos por desastres naturais
2008 168
2009 184
2010 617
2011 1.023
2012 71
Total: 2.063