Novo afrouxamento

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Autor(es): Martha Beck Cristiane Jungblut

O Congresso aprovou ontem o projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013 e permite o abatimento dos investimentos de estados e municípios da meta de superávit primário, reduzindo o esforço fiscal. Com a mudança na lei, a União não precisará compensar o que estados e municípios deixarem de contribuir para o superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública).

Na prática, a medida ajuda no fechamento das contas deste ano. Com isso, a meta de 2,3% do PIB prevista para o setor público consolidado, ou R$ 110,9 bilhões, já descontadas as despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), poderá ser reduzida em até R$ 48 bilhões, que é a parcela de estados e municípios.

O governo federal já se comprometeu em arcar com R$ 10 bilhões numa reserva especial dentro do Orçamento da União de 2013, o que reduziria o esforço fiscal desses entes para R$ 38 bilhões, mas até setembro eles só conseguiram economizar R$ 18,5 bilhões. O PSDB e o DEM votaram contra simbolicamente.

— O superávit está sendo esculhambado no Brasil — disse o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). Essa mesma regra foi incluída na LDO de 2014 e aprovada pela Comissão Mista de Orçamento. A LDO de 2013 ainda permite abatimento de até R$ 65,2 bilhões em recursos do PAC e desonerações.

PERDA DE URGÊNCIA

Já o projeto de lei complementar que muda os índices de correção das dívidas de estados e municípios com a União, a partir de janeiro de 2013, e autoriza o recálculo desses débitos retroativamente deixou de ser uma prioridade para o governo. Preocupada com a perda de credibilidade da política fiscal, por causa da deterioração das contas públicas, a equipe econômica decidiu acalmar o mercado e não vai mais trabalhar pelo projeto, que já foi aprovado pela Câmara e aguarda votação no Senado.

— O projeto tem lá um item que pode dar margem à interpretação de que queremos aumentar gastos com estados e municípios. Não é nada disso — disse ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega. — Mas tendo em vista essa possibilidade de mal-entendido, então, queremos que ele seja aprovado numa oportunidade melhor. Segundo técnicos da equipe econômica, o projeto foi deixado de lado, porque, embora traga avanços importantes, como a proibição permanente de emissão de títulos pelos governos regionais, foi visto com muita restrição pelo mercado num momento delicado, em que o superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) está bem abaixo da meta.

O ponto mais delicado para o mercado, segundo os técnicos, é a possibilidade de revisão dos estoques de dívidas, visto como uma afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, negou que o governo tenha desistido do projeto, mas reconheceu que há dificuldades políticas para aprovação do texto no Senado.

Já o senador Lindbergh Farias (PTRJ) afirmou que a proposta é resultado de um acordo entre os governadores e corrige uma distorção que há hoje nos contratos, que são corrigidos por indexadores que são muito desfavoráveis. Segundo ele, o texto será mantido e tem condições de ser votado no Senado este ano. — O sentimento continua sendo o de votar ainda este ano.

O projeto pode não ser uma prioridade para o governo federal, mas é para estados e municípios — disse Lindbergh. Já o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que deve ser o relator da proposta na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), disse que a mudança dos’ indexadores é uma necessidade e precisa ser feita em algum momento: — Entendemos a conjuntura. O governo tem razão de estar preocupado, mas o tema tem que ser tratado.

TCU: MUDANÇA TRAZ RISCOS

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que não houve pedido do governo para que a proposta seja retirada de pauta e também afirmou que ela será votada este ano: — A troca de indexador está na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Eu acho que vota (este ano). Essa regra, esse indexador é uma coisa que pune os estados, sobretudo os mais pobres. Não tem lógica retirar o endividamento de estados e municípios do cálculo do superávit e continuar pagando essa taxa de juros.

Pela proposta, as dívidas serão corrigidas pela taxa Selic ou o IPCA mais 4% ao ano, o que for menor. Hoje, o indexador é o IGP-DI mais 6% a 9% ano, o que pesa nas contas de estados e municípios. O texto prevê ainda a revisão dos estoques até o fim de 2012. O Tesouro fará uma simulação e, se a Selic do período tiver sido mais vantajosa para a correção da dívida, ela substituirá o indexador.

O Tesouro não informa o impacto da mudança no estoque das dívidas, que somam R$ 462 bilhões. Mas Mantega adiantou que os débitos poderiam ter redução de R$ 15 bilhões em 2013. A presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira da Silva, afirmou que a proposta atinge a LRF: — O próprio TCU já alertou para o risco que essa mudança terá nas contas do governo. A proposta deveria ser abandonada. (Colaborou Luiza Damé).