Terceirizadas lavam sujeira em público

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Empresas contratadas por governos para a prestação de serviços detonam onda de denúncias entre si. O estopim da crise é um contrato mensal de R$ 8 milhões da Secretaria de Saúde do DF, que vem sendo renovado há quatro anos sem licitação

Autor(es): SIMONE KAFRUNI

Uma guerra suja está sendo travada entre empresas que terceirizam serviços de limpeza para o setor público. A batalha vem sendo motivada por um contrato mensal de R$ 8 milhões da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal (GDF), que, há três décadas, está nas mãos das mesmas firmas —Dinâmica, APC, Juiz de Fora e Ipanema — e há quatro anos é renovado emergencialmente, sem concorrência. O feudo passou a ser ameaçado por duas firmas, a Planalto Service e a Interativa, que têm ampliado sistematicamente as garras nesse filão, mesmo respondendo a vários processos na Justiça.

Na batalha na qual não há mocinhos, dado o histórico de golpes que marca a terceirização de serviços no setor público, cada uma das empresas quer mordiscar a maior parte de contratos possíveis, muitas vezes recorrendo a artifícios nada abonadores. E não há limites nessa disputa. Nas últimas semanas, uma série de documentos passou a circular, tanto no governo federal quanto no GDF, indicando possíveis irregularidades cometidas pela Planalto e pela Interativa. Até um boletim de ocorrência de acidente de trânsito está sendo usado para comprovar possíveis fraudes.

O Correio recebeu a maior parte desses documentos e checou a veracidade de cada um deles em todos os órgãos competentes, da Polícia Federal (PF), Ministério Público de Contas do DF (MPC-DF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Senado Federal até os sindicatos do setor — o Sindiserviços, dos trabalhadores, e o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação (Seac), dos patrões. Todos são autênticos. A documentação aponta supostas irregularidades da Planalto e da Interativa em recolhimentos de guias previdenciárias, falsificação de certidões para participar de licitações e processos trabalhistas — alguns deles resultaram em abertura de inquérito pela PF.

Tanto Rita de Cássia de Sousa, dona da Planalto Service, e Izaias Junio Vieira, da Interativa, negam as irregularidades e se dizem vítimas de um complô, por estarem tentando quebrar um sistema de privilégios que suga, sem constrangimento, recursos públicos. “Estamos incomodando muita gente. Por isso, surgiram documentos com denúncias, e-mails, ofícios de tudo que é lado, de processos antigos”, alega Junio, da Interativa. “Eu sei quem está por trás disso”, afirma Cássia.

Na avaliação dos dois, o contrato com a Secretaria de Saúde do GDF foi o pivô da crise. “Nossos concorrentes sabem que temos condições de vencer a disputa. Meu funcionário custa R$ 2 mil, o deles, R$ 6 mil. O preço da Planalto é competitivo, porque nossa empresa é enxuta”, ressalta Cássia. Ela e o dono da Interativa dizem suspeitar de uma forte pressão política das quatro empresas que atuam na secretaria em regime emergencial— Dinâmica, APC, Juiz de Fora e Ipanema.

Essas gigantes teriam representação de quatro deputados distritais, entre eles, Eliana Pedrosa, do PPS, cuja família é proprietária da Dinâmica. A parlamentar garante que se afastou da companhia desde que assumiu cargo público, em 2002. “A deputada é da oposição e não tem qualquer influência nas decisões do governo do DF. Mas tem documentos para mostrar e faz questão de esclarecer tudo”, garantiu a assessoria de imprensa da parlamentar, que está em viagem. Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informou que está preparando a licitação dos serviços terceirizados.

 

Ligações perigosas
O jogo é pesado e vale todo tipo de argumento para a defesa. “Sofremos ameaças de morte. Em determinados momentos, pensei até em desistir desse negócio”, diz Junio. “Faz seis meses que só respondo ofícios para os meus clientes, a fim de garantir que a empresa está em dia com seus compromissos”, assinala Cássia.

A dona da Planalto reclama dos interesses políticos de seus concorrentes. Mas, recentemente, participou de um churrasco partidário e vem sendo saudada por meio de adesivos com os dizeres “Amigos de Cássia”, como se estivesse em campanha. “Isso levou ainda mais temor aos que não querem largar seus contratos garantidos por meios ilegais. Mas eu não pretendo sair candidata a nada. Só quero trabalhar em paz”, garante.

A despeito da defesa veemente das empresas Planalto Service e Interativa, que mostram documentos comprovando que as irregularidades não existem, vários processos administrativos e inquéritos policiais estão em curso contra as duas companhias. E, mesmo assim, ambas continuam prestando serviços para vários órgãos da administração pública. Com sete mil funcionários e faturamento próximo de R$ 22 milhões, a Planalto tem 198 contratos ativos, a maioria no governo federal. A Interativa conta com 1,4 mil empregados e 42 contratos.

De arrepiar

As licitações são alvo de muitas irregularidades. Confira as mais comuns

Superfaturamento
Os preços cobrados são superiores aos de mercado. Geralmente, o superfaturamento é acompanhado do direcionamento ou da dispensa da licitação. Pode, ainda, decorrer de acordo prévio entre os concorrentes.

Direcionamento
A estratégia mais frequente é a exigência de qualificações técnicas muito detalhadas e específicas para prestação de serviços ou compra de produtos, geralmente beneficiando um dos concorrentes. Em compras de menor valor, o responsável pela licitação pode escolher sempre as mesmas firmas ou chamar duas que não conseguirão competir com o fornecedor eleito pelo acordo.

Inexigibilidade
O recurso que só pode ser usado quando não existe possibilidade de competição, isto é, só existe um fornecedor do produto ou serviço, desde que apresente atestado de exclusividade. A inexigibilidade também é permitida quando todas as propostas apresentadas têm preços superfaturados.

Acordos
Um ou dois participantes oferecem lances extremamente baixos apenas para forçar a desistência de empresas com preços maiores, embora justos. No fim, aquelas que ofereceram lances mais baixos apresentam-se sem a documentação necessária, permitindo a convocação de outro participante que estava combinado com os primeiros. Também há fraudes eletrônicas, em que apenas dois ou três participantes conseguem dar lances, em detrimento dos demais.

Fonte: Contas Abertas