Crítica à ‘distribuição de feudos’ pauta primeiro encontro entre PSB e Rede
Rumo a 2014. Documento que embasa discussão entre aliados de Campos e Marina ataca “modelo de governabilidade, voltado para acordos circunstanciais, ocupação de postos e alocação casuística de recursos”, sem mencionar participação da sigla nos governos do PT
Autor(es): Isadora Peron
A crítica ao presidencialismo de coalizão será um dos temas que pautará as discussões do primeiro encontro programático da aliança PSB-Rede, marcado para hoje em São Paulo. Documento elaborado em conjunto por integrantes das duas agremiações, com o objetivo de nortear o debate, aponta para a falência de um modelo baseado em “distribuição de feudos” no governo e para a necessidade de se pensar novas formas de fazer política no País.
“É necessária mudança profunda do sistema político para permitir a emergência de outro modelo de governabilidade, cujos alinhamentos se deem em torno de afinidades programáticas, e não em torno de distribuição de feudos dentro do próprio Estado, do desmantelamento da gestão pública, e do uso caótico, perdulário e dispersivo do orçamento nacional”, diz trecho do documento ao qual o Estado teve acesso,
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva tem mantido um discurso duro em relação ao que define como a prática de lotear cargos em troca de apoio no Congresso. Ela defende que é possível governar o País sem uma base de apoio formada nos moldes políticos tradicionais, desde que haja o apoio da população.
Depois da aliança, formalizada no último dia 05, o governador de Pernambuco e provável candidato à Presidência, Eduardo Campos, incorporou o discurso de Marina e também tem atacado o modelo de distribuição de cargos a aliados políticos. Na prática, porém, o governo de Pernambuco abriga 14 partidos em sua base e não viu problemas em colocar na sua administração pessoas que o ajudaram nas eleições de 2006 e 2010.
O PSB também fazia parte da base aliada do governo da presidente Dilma Rousseff (PT) até meados de setembro e só decidiu entregar os cargos para poder articular, com menos constrangimento, a candidatura própria ao Palácio do Planalto.
Para o secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira, um dos responsáveis por preparar o documento que será apresentado hoje, a forma de conquistar a maioria para poder governar, através da distribuição de cargos a aliados, é um problema de todos os governos, que tem de ser amplamente discutido com a sociedade. “Para mudar isso, é preciso fazer uma reforma política de verdade”, defende.
Outros pontos. Bazileu Marga- rido, membro da Executiva da Rede, explica que o documento tem um caráter preliminar e será entregue aos cerca de 120 participantes para servir como ponto de partida para o debate. Além de pregar mudanças no sistema político, o texto destacará outros dois temas: a necessidade de o País avançar nas conquistas econômicas e sociais e a promoção do desenvolvimento sustentável
Durante o encontro, as pessoas serão divididas em grupos para discutir as ideias contidas no documento. O evento, que será transmitido pela internet, também prevê a contribuição online de militantes.
O líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque (RS), afirma que o principal objetivo do encontro de hoje é traçar um panorama de quais desafios precisam ser enfrentados. “O principal deles é como fazer o Brasil voltar a crescer…”, opina, e, como para mostrar que já assimilou o discurso da Rede, completa: “De maneira sustentável”.
Até o final da tarde, o grupo pretende ter elaborado um novo memorando, que vai orientar a construção de um programa de governo para a eleição presidencial de 2014. O tom do documento deve repetir o do discurso que Campos e Marina têm adotado: o de que é preciso dar início a um novo ciclo na política, sem abrir mão da estabilidade econômica criada por Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e da inclusão social iniciada por Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).
Sem polêmica» No encontro de hoje, no entanto, ficarão de fora temas polêmicos, como a formação de palanques estaduais. Ainda em clima de lua de mel, integrantes da Rede e do PSB têm repetido que, por enquanto, há “mais convergências do que divergências” entre os dois grupos.
Para evitar atritos, Campos e Marina orientaram seus aliados a não comentar temas ligados à campanha. A dupla tem dito que o momento agora é de discutir ideias e que o debate eleitoral deve ser deixado para 2014. Até mesmo a decisão de quem será o candidato a presidente na chapa do PSB será tomada somente no ano que vem.
Entretanto, na última pesquisa Ibope/Estado, divulgada no dia 24, Marina aparece na frente de Campos: a ex-ministra chega a 21% das intenções de voto, e o governador atinge 10%.
DOCUMENTO
“O processo de construção da democracia brasileira teve inegáveis avanços desde o fim do regime militar.
No entanto, a base de funcionamento do sistema político permanece impregnada de práticas atrasadas, permeadas de uma persistente cultura patrimonialista, que se transformou no eixo do modelo de governabilidade, voltado para acordos circunstanciais, ocupação de postos e de alocação casuística de recursos públicos. Uma das mais nefastas consequências dessa prática é o afastamento da população da participação política, transformando-a em mera espectadora no processo
de tomada de decisões. É necessária mudança profunda do sistema político para permitir a emergência de outro modelo de governabilidade, cujos alinhamentos se deem em tomo de afinidades programáticas e não em tomo de distribuição de feudos dentro do Estado, do desmantelamento da gestão pública e do uso caótico, perdulário e dispersivo do orçamento”.