Restos a roubar

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Autor(es): Silvio Ribas

O Orçamento público, com merecido O maiúsculo, deveria ser tratado como algo sagrado. É esse dinheiro que completa a aposentadoria do velhinho morador do grotão, que abre leito numa UTI neonatal para o bebê da favela e que compra remédios caríssimos para o soropositivo pobre. Mas o uso legal (nos dois sentidos) dos recursos da União que restam após os salários dos servidores serem depositados e dos juros mensais da trilionária dívida com bancos serem pagos é diariamente ignorado. E autoridades de todos os escalões continuam a perpetuar práticas denunciadas há décadas.

Numa mão, a má gestão e a falta de planejamento fazem escorrer suadas verbas recolhidas do contribuinte pelo mal cheiroso ralo do desperdício. Noutra, os corruptos posicionados dentro e fora da máquina de governo insistem em embolsar cada vez mais o que é de todos os brasileiros. Nem mesmo o humanitário programa Fome Zero escapou da avidez dos inescrupulosos. Graças a Deus que surgem, de tempos em tempos, operações independentes da Polícia Federal para nos situar sobre o quão deteriorada está a maioria das administrações governamentais.

A revolta com os fatos exibidos pelas manchetes dos jornais tende ainda a crescer ou a virar desânimo quando, meses e até anos depois, a punição aos ladrões desmascarados em frente às câmeras é branda ou nula. Isso tudo apesar do marketing dos agentes policiais e dos protestos populares. Não é por acaso que frases como “este país não tem mesmo jeito” ou “só no Brasil mesmo para uma coisa dessas” voltaram a circular com mais intensidade nas últimas semanas. E dá-lhe asfalto novo sobre ciclofaixas recém-pintadas e carrões de doleiros apreendidos pela PF.

Para piorar o quadro, políticos e funcionários interessados em fazer algo para defender o erário e elevar a eficiência dos serviços prestados ao cidadão são punidos pelos próprios colegas, vaidosos e invejosos dedicados só ao umbigo. É igual àquela metáfora do caranguejo. Sozinho, ele se debaterá até agarrar a borda e conseguir sair. Mas basta ser colocado com outros para ser tragado pelo individualismo alheio. Nosso herói até conhece o caminho da liberdade, mas logo outro vai vê-lo como escada e puxá-lo para baixo — infinitamente. No caso dos barnabés, quem se destaca é fuzilado pelo corporativismo.