Bônus de Libra era para o Fundo Social

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Autor(es): Ribamar Oliveira

Todos ainda estão tentando entender o corte de R$ 10 bilhões nas despesas públicas, anunciado segunda-feira pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior. As dúvidas e questionamentos sobre o corte, no entanto, não podem obscurecer um fato: o governo se comprometeu a elevar seu superávit primário neste ano de 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) para 1,5% do PIB.

Antes, o governo havia dito que iria poupar R$ 63 bilhões para pagar os juros das dívidas e agora serão R$ 73 bilhões. Parece insuficiente para alcançar a meta de superávit de 2,3% do PIB de todo o setor público neste ano, pois ainda obrigaria os Estados, municípios e suas estatais a produzirem um superávit primário de 0,8% do PIB. Mas é uma ampliação do esforço fiscal. Resta saber se ele é possível e como será feito.

Os ministros Mantega e Belchior disseram que o aumento do superávit será feito pela redução das despesas em R$ 10 bilhões. Desse total, R$ 5,6 bilhões decorreriam de gastos obrigatórios, que seriam reestimados, e R$ 4,4 bilhões do contingenciamento de despesas discricionárias – aquelas que o governo pode deixar de fazer, a seu critério. No corte das despesas obrigatórias, o governo incluiu a redução de R$ 4,4 bilhões no gasto do Tesouro para compensar a Previdência pela desoneração da folha de pagamento de 42 setores da economia.

Recursos serão usados para fechar as contas de 2013

O Tesouro é obrigado a compensar o Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) no valor correspondente à estimativa de renúncia previdenciária decorrente da substituição da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento pela contribuição sobre a receita bruta, de forma a não afetar a apuração do resultado financeiro da Previdência.

Ainda não há uma explicação clara para a redução desses R$ 4,4 bilhões. Alguns podem achar que a perda com a desoneração não foi tão grande quanto o governo estimou inicialmente e, por esta razão, a conta caiu nesse montante. Se isso tivesse ocorrido, o Tesouro teria efetivamente economizado R$ 4,4 bilhões. Mas não foi o que aconteceu, por uma razão simples. Ao reduzir a despesa do Tesouro com a desoneração, o governo também diminuiu a receita da Previdência, de tal forma que o déficit do RGPS aumentou. Ou seja, o governo reduziu uma despesa do Tesouro (com a desoneração), mas aumentou outra que também é coberta pelo Tesouro (o déficit da Previdência). O resultado fiscal da medida é nulo e ela não pode ser apresentada como um corte que ajudará a fazer um ajuste fiscal adicional.

Há outras duas hipóteses. A primeira, pouco provável, é que o gasto teria sido postergado para o próximo ano. Isso não faz sentido, pois criaria problemas para a administração das contas em 2014. Outra hipótese é que essa redução da despesa decorre do cronograma de pagamento da compensação. A portaria que regulamentou essa questão estabelece que o pagamento será feitos quatro meses depois que a despesa ocorrer. Assim, neste ano, o governo pagaria apenas a compensação de oito meses, sendo que em dezembro seria pago a despesa relativa a agosto.

Se esta for a explicação, à redução de R$ 4,4 bilhões na despesa do Tesouro com a compensação teria que corresponder uma diminuição também de R$ 4,4 bilhões na receita da Previdência. Ocorre que o relatório de avaliação de receitas e despesas relativo ao terceiro bimestre, encaminhado ao Congresso, diz que “a previsão de recebimento pelo FRGPS da receita de compensação das desonerações previdenciárias foi reduzida em R$ 3 bilhões, diminuindo no mesmo montante a projeção total da arrecadação líquida para o RGPS”.

A despesa do Tesouro foi reduzida em R$ 4,4 bilhões, mas a receita da Previdência dessa mesma fonte caiu só R$ 3 bilhões. O Valor perguntou à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) qual é a explicação para essa diferença. A resposta foi que “o valor de R$ 4,4 bilhões foi reduzido igualmente em despesas (do Tesouro) e receitas (do INSS)”. A STN observou que “a receita total do INSS caiu em apenas R$ 3 bilhões porque adicionalmente houve revisão e aumento de R$ 1,4 bilhões em outros itens da receita do INSS, sendo que o efeito líquido foi a redução das receitas em R$ 3,0 bilhões”. Esta explicação, no entanto, não consta do relatório.

Para entender como se chega ao ajuste adicional de R$ 10 bilhões é importante, em primeiro lugar, esquecer o corte de R$ 4,4 bilhões na despesa do Tesouro com a compensação do INSS, pois ela se anula com igual queda da receita da Previdência, como admitiu a STN. O corte dos gastos foi, portanto, de R$ 5,6 bilhões, sendo R$ 4,4 bilhões de despesas discricionárias e R$ 1,2 bilhão de reestimativa de gastos obrigatórios.

Chega-se ao total de R$ 10 bilhões com a ajuda da arrecadação. A nova previsão do governo é que os tributos administrados pela Receita Federal cairão R$ 4,7 bilhões. Mas a receita não administrada, principalmente concessões, aumentará R$ 7,2 bilhões. Haverá, portanto, uma elevação líquida de R$ 2,5 bilhões (R$ 7,2 bilhões menos R$ 4,7 bilhões). Somados aos R$ 1,4 bilhão de aumento da receita da Previdência, chega-se a R$ 3,9 bilhões. Mas como as transferências constitucionais para Estados e municípios cairão R$ 524 milhões, a receita líquida da União subirá no mesmo montante. Assim, chega-se a R$ 4,4 bilhões de aumento da receita. Para se alcançar aos R$ 10 bilhões do ajuste adicional basta somar o corte de R$ 5,6 bilhões com a elevação da receita de R$ 4,4 bilhões.

O problema mais grave do ajuste é que toda a receita com o bônus de assinatura do campo de Libra no pré-sal, que será licitado em outubro, será usada para fechar as contas do governo neste ano. A lei 12.351/2010 estabelece que uma parcela do valor do bônus de assinatura nos contratos de partilha de produção deve ir para o Fundo Social (FS).

O legislador queria que esses recursos constituíssem uma poupança de longo prazo para ser usada em educação, saúde e em programas sociais no futuro e não em gastos imediatos. O FS nunca foi regulamentado. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) vem repassando recursos dos royalties da União para o FS, que estão sendo usados para o superávit primário. Agora, mais recursos do FS serão utilizados para fechar as contas do governo.