Revolução nos gastos públicos
Autor(es): Ruy Martins Altenfelder Silva
Talvez nem todos os participantes das recentes manifestações populares tivessem noção exata das causas profundas dos problemas que há poucas semanas levaram centenas de milhares de pessoas às ruas em todo o país. Duas delas são, sem dúvida, a má gestão do dinheiro público e o temor — por parte dos governos federal, estaduais e municipais, com as exceções de praxe — de enfrentar inevitáveis reações corporativistas ou de partidos políticos a medidas saneadoras impopulares.
Entre os descalabros, é sempre citada a existência dos atuais 39 ministérios, vários dos quais tiveram origem em antigas secretarias, vinculadas diretamente à Presidência da República ou a outras pastas. Outro ponto criticado é o tamanho do quadro funcional da União, que abriga 984.330 servidores federais, segundo o Boletim Estatístico de Pessoal 201, editado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Ocorre que o aumento das despesas de custeio da máquina leva à redução dos investimentos em obras públicas, um dos motores do desenvolvimento, pelo impacto que têm em geração de emprego, atividades produtivas e renda em todos os setores da economia.
No início, as reivindicações dos manifestantes eram um tanto nebulosas, mas logo pesquisas revelaram que, se eles não estavam cientes das causas profundas, tinham perfeita consciência de seus efeitos. De longe, a corrupção foi a campeã dos protestos, com 53% das citações (segundo o Departamento de Inteligência e Pesquisa Abril), seguida pela rejeição à PEC nº 37, que retirava o poder de investigação do Ministério Público (49%), e pelo pedido de prisão para políticos envolvidos com a corrupção (28%). No capítulo efeitos, a melhora nos sistemas públicos de educação (45%) e saúde (38%) confirmou as prioridades da sociedade, já recorrentemente citadas, mas sempre à espera de soluções efetivas.
O desperdício de recursos públicos também apareceu, expresso pela condenação ao dispêndio de R$ 28 bilhões com a Copa do Mundo, valor que equivale à soma dos investimentos realizados pelos países sede das três últimas edições do Mundial — Japão e Coreia do Sul (2002), Alemanha (2006) e África do Sul (2010) —, sem que se tornasse realidade o legado integral que justificaria tais gastos, integrado por obras no sistema viário, em aeroportos, nos transportes públicos etc.
Como lembra Samuel Monteiro, autor especializado em literatura de direito, “são injustiças sociais oriundas dos que dirigem as instituições permanentes que acendem o pavio e provocam o estopim adormecido do inconformismo, do tratamento desigual, em que o hipersuficiente recebe os privilégios da lei e da Constituição e dos membros da instituição; mas ao hipossuficiente, nem são dadas as sobras do banquete”. E mais: “Quando o suum cuique tribuere (dar a cada um o que lhe é devido, como ensina a máxima do direito romano) não mais é observado, a nação inteira deve ficar de sobreaviso para as consequências disso”.
Aceso o sinal amarelo para prováveis desdobramentos da crise de credibilidade de instituições como o governo, o Congresso e os partidos políticos, a análise dos fatos e a reação a algumas propostas indicam que não bastam mais medidas pontuais adotadas de afogadilho. Como já percebeu a sociedade, os graves problemas nacionais exigem reformas estruturais bem planejadas e avaliadas.
O primeiro passo é colocar ordem na casa, estabelecendo uma escala de prioridades e criando instrumentos eficazes de controle do uso do dinheiro público. Isso significa que é inadiável deflagrar-se uma revolução nos gastos públicos, de forma a coibir a corrupção, o desperdício e os investimentos que visam atender, prioritariamente, interesses políticos, eleitorais ou pessoais dos detentores de cargos públicos.
Para ter sucesso, a nova política de gastos não poderá se desvincular da ética, que privilegia a preponderância das aspirações maiores da sociedade sobre os interesses menores dos mandatários, eleitos para representar aqueles que lhes entregaram os votos motivados por promessas de campanha. A mesma ética recomenda transparência nas ações dos governantes, punição severa aos corruptos e, principalmente, o respeito no uso dos recursos públicos, que têm origem majoritariamente no trabalho dos cidadãos, que há muito não recebem retribuição em serviços à altura dos altos impostos que pagam.