Público e bom

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Brasil S.A – Antônio Machado

Um mês depois do auge das manifestações que se espalharam por todo o país, está longe da conclusão o debate sobre o que levou tanta gente às ruas. Mas é possível dizer, em linhas gerais, que a qualidade dos serviços públicos perpassa toda a ampla gama de reivindicações — para além, é claro, das frustrações abstratas, individuais e coletivas, que também acabam por ser um poderoso combustível de protestos, com ou sem vandalismo.

Sim, o aumento das tarifas de ônibus foi o estopim do movimento em São Paulo, e o motivo que transportou a rebelião para outras cidades. Por isso, muita gente viu na inflação a causa principal da revolta. E, de fato, há um desconforto muito grande com os aumentos de preços no Brasil.

É bom lembrar, porém, que a estabilidade econômica também é um bem público. A discussão do que deve ser atribuição dos governos é longa, mas dificilmente exclui a política monetária — só quem propõe que isso seja entregue ao mercado é o grupelho dos mais radicais defensores do Estado mínimo, integrantes da Escola Austríaca, para quem os bancos é que deveriam emitir moeda.

Se a ação governamental incide sobre todos os preços de uma economia, tal influência é mais forte ainda no caso das tarifas de ônibus e metrôs. No Brasil, que, diferentemente do que pensa muita gente de esquerda, está bem longe do paradigma neoliberal, o transporte coletivo é um serviço público. O fato de funcionar predominantemente por meio de concessão a empresas privadas não retira a responsabilidade dos governantes. Tanto é assim que a pressão política resultou na suspensão do aumento de tarifas.

O Movimento Passe Livre, integrado por radicais na ponta oposta aos neoliberais de Viena, defende o subsídio integral à tarifa. Ainda que a maioria da população discorde dessa ideia, parece mais ou menos consensual a disposição de dedicar parte do dinheiro dos impostos ao transporte, mesmo quando há concessão. O que ninguém quer, porém, é direcionar o sacrifício tributário ao bolso de barões que cobram caro e ainda obrigam as pessoas a se espremer em ônibus lotados e sujos, sem hora para passar.

A palavra-chave para a expectativa das pessoas é produtividade, ainda que poucos compreendam o jargão econômico. É simples: perseguir sempre, sem parar, a melhor qualidade possível com o melhor custo. Uma empresa precisa fazer isso para aumentar o lucro. No caso de uma concessão, o que deve ser maximizado é o bem público. A remuneração do concessionário não é ilegítima, mas é um dos componentes do custo, portanto deve ser a menor possível.

O que garante a melhor relação custo-be-nefício ainda é uma regra de mercado: a concorrência. Se outra empresa estiver disposta a oferecer a mesma qualidade por menos, deve levar o contrato. E o único modo de garantir isso, por ora, são os sistemas de licitação, em geral pouco eficientes para evitar combinações que reduzam a concorrência. A boa notícia que sai das manifestações é que a população parece estar de olho, cada vez mais, nos processos licitatórios e na cobrança dos resultados com que as empresas se comprometem.

Produtividade dos servidores

Assim como reinvindicações das ruas vão muito além do transporte, também deve ser entendido de forma mais ampla o conceito de produtividade. Certamente ele não deve se limitar às concessões. Precisa espraiar-se por todo o serviço público. E aí começa um novo problema. Faz todo sentido em um ambiente empresarial dizer que é preciso procurar sempre funcionários que ofereçam o melhor desempenho pelo menor custo. Mas dizer isso no setor público soa estranho.

Para começo de conversa, não existe a flexibilidade de demitir e contratar novos funcionários, caso eles estejam disponíveis no mercado de trabalho. Até se pensou em um modelo que limitaria a estabilidade no serviço público a carreiras em que fosse essencial evitar retaliações, por exemplo nos casos de juizes e fiscais. Mas a proposta não emplacou. Sim, teoricamente, mesmo com a estabilidade, há avaliações de desempenho. Mas, na prática, o Estado demite poucas pessoas por insuficiência de resultado.

Resta a outra ponta da produtividade: exigir que todos trabalhem com maior eficiência. Mas isso também é difícil. As gratificações de cargos de confiança ajudam. Mas até mesmo isso acaba por ser deturpado em muitas áreas do serviço público, onde o ganho extra é, com o tempo, incorporado ao salário-base, sob o argumento de que ninguém pode correr o risco de ter a remuneração repentinamente reduzida. Para um trabalhador que sobrevive nas agruras do mercado de trabalho, parece piada.

Os servidores não são insensíveis às mazelas dos órgãos onde trabalham. Mas sempre veem o problema como algo externo a eles: faltam decisões superiores adequadas, materiais etc. Até se admite, às vezes, que o problema está no trabalho em si. Mas aí o que se argumenta é que as pessoas estão desmotivadas. E em geral espera-se que isso seja corrigido com um bom reajuste no contracheque.

É um erro de parte dos servidores não perceber que a sociedade também está falando com eles quando exige serviço público de qualidade. Eles, aliás, também são vítimas da falta dela. Por duas razões. Em primeiro lugar, porque é ruim conviver com pessoas que não querem trabalhar direito — há boas razões para imaginar que a maioria dos funcionários quer. E, em segundo lugar, porque eles mesmos são, como toda a sociedade, consumidores de serviços públicos.