Quando promessas viram dividas
Autor(es): Gil Castello Branco
Faz muito tempo que o que Mantega diz ninguém escreve. Em relação aos investimentos públicos, por exemplo, o ministro desde o ano passado vislumbra perspectivas de crescimento que não se concretizam. Em abril deste ano afirmou que “os investimentos irão bombar em 2014”, sugerindo que o governo “jogou a toalha” em relação a 2013 e vai tentar uma revanche no próximo ano.
Em relação à administração federal direta, os resultados deste ano são pífios. No primeiro semestre de 2013 foram empenhados para investimentos R$ 19 bilhões, montante inferior em 11% ao compromissado em valores correntes no período de janeiro a junho do ano passado. O valor empenhado neste semestre representa só 21% da dotação autorizada para o exercício (R$ 90,2 bilhões).
Se considerarmos somente osva-lores pagos com o Orçamento da União/2013, excluídos os restos a pagar,foram desembolsados R$ 3,7 bilhões, enquanto no ano passado, no mesmo período, R$ 4,8 bilhões foram pagos. A situação só não é pior graças à quitação dos restos a pagar, que neste ano somaram R$ 16,8 bilhões ante R$ 14,1 bilhões do ano passado.
Em valores constantes, os investimentos deste semestre totalizaram R$ 20,5 bilhões, montante maior em apenas 1% do que as aplicações de 2012. Em relação a 2010, os investimentos recuaram 13%. Assim sendo, andamos de lado, em relação ao ano passado, e para trás, se a referência for 2010.
Vale observar que, dos R$ 20,5 bilhões pagos neste ano, R$ 4,6 bilhões (22,6%) foram destinados a “equipamentos e material permanente”, cuja aquisição é menos complexa do que a realização de obras de infraestrutura. No Ministério da Defesa foi investido R$ 1 bilhão em aeronaves, embarcações, veículos e carros de combate. No Ministério da Educação, quase meio bilhão foi destinado a ônibus escolares. No Ministério do Desenvolvimento Agrário, foram pagos R$ 376,3 milhões em caminhões, escavadeiras, tratores, colhedeiras, etc. A compra direta desses bens – ainda que necessária – não significa que foram desatados alguns nósdos investimentos públicos relacionados àelaboração e à execução de projetos, a desapropriações e indenizações,àobtenção de licenças ambientais e toda a burocracia inerente às obras.
No Ministério dos Transportes ainda são sentidos os efeitos da chamada “faxina”, promovida pela presidente Dilma em 2011, apesar de o grupo alvo da limpeza já ter retornado à Esplanada. Até junho, a pasta investiu R$ 3,9 bilhões, o que representou crescimento real de 0,4% em relação ao mesmo período de 2012. Esse acréscimo diminuto deve ser creditado à Valec, que ampliou as aplicações em R$ 325,3 milhões. O Dnit, ao contrário, reduziu os investimentos em R$ 62,3 milhões, tornando pior o que já estava ruim.
Além disso, quase R$ 1 bilhão dos investimentos da União neste semestre foi efetuado no exterior, já excluídos pagamentos às subsidiárias da Embraer, sem gerar efeitos diretos na indústria brasileira. Paralelamente, estão incluídos nos investimentos itens curiosos tais como instrumentos musicais para universidades, pagamento de IPVA, serviços de cópias e reprodução de documentos, obras de arte e até taxas por excessos de bagagens, que, além de discutíveis quanto à classificação, não geram maiores efeitos na cadeia econômica.
Na realidade, as dificuldades para investir são históricas. Conforme estudo da Associação Contas Abertas, nos últimos 10 anos R$ 160 bilhões deixaram de ser investidos nas áreas de educação, saúde, transportes, cidades e segurança pública, que constituíram as principais reivindicações das manifestações populares. Considerando as dotações autorizadas para investimentos no período de 2003 a 2012, do total de R$ 333,8 bilhões previstos apenas R$ 174,5 bilhões (52,3%) foram aplicados. Em suma, o orçamento é fictício e mal executado.
As promessas do governo também parecem longe da realidade. A presidente Dilma anunciou novos R$ 50 bilhões para obras de mobilidade urbana. Porém, historicamente, os recursos destinados para o setor não são gastos. Nos últimos 11 anos (2002 a 2012), em valores constantes, R$ 6,8 bilhões foram autorizados paramobilidade urbana, porém apenas R$ 1,3 bilhão foi efetivamente pago (19,1%).
De fato, são muitos os entraves para osinvestimentos da administração pública, a partir do planejamento inadequado. Em 2009, estudo do Banco Mundial constatou que o Brasil apresentava fragilidades em praticamente todas as fases de planejamento e execução. O diagnóstico abrangeu desde a definição do problema a ser resolvido e a seleção preliminar dos projetos que podem contorná-lo até afase de operação do empreendimento e sua manutenção. A análise do Banco Mundial elencou e avaliou etapas consideradas essenciais, tais como refinamento do projeto inicial,licitação, execução e revisão por auditoria independente, entre outras. Das oito etapas analisadas, em apenas uma delas o Brasil obteve um bom conceito.
As apostas para o crescimento sustentável da economia brasileira estão nas concessões de ferrovias, rodovias, aeroportos e portos, mas existem inúmeras dúvidas se diante das condições impostas haveráinte-ressados e se os cronogramas serão cumpridos.
Enquanto as concessões não chegam, estamos fabricando dinheiro e maquiando resultados. Daqui a 15 dias, quando da divulgação do Resultado do Tesouro Nacional de junho, os investimentos estarão, como sempre, inflados pelos subsídios ao programa Minha Casa, Minha Vida. Além disso, prossegue a “roda dafor-tuna” por meio do endividamento do Tesouro que transfere recursos para osbancos públicos que antecipam dividendos. O jogo de empurra já responde por um quarto da meta fiscal, apesar de o truque só servir para desmoralizar ainda maisa contabilidade oficial brasileira. Em síntese, a dívida pública cresce, masos investimentos continuam entre as promessas.