Visão do Correio :: As ruas vencem a PEC 37, não a impunidade
Se havia alguma dúvida de que a movimentação popular produziria resultados imediatos, a derrubada pela Câmara dos Deputados da proposta de emenda constitucional (PEC) que retirava do Ministério Público (MP) o poder de realizar investigações criminais é a mais inconteste prova de que a pressão vinda das ruas moveu os políticos.
Se antes era dada como certa a aprovação da emenda, a sua rejeição explicitada em faixas e cartazes sustentados por milhares de manifestantes em todas as grandes cidades do país produziu o milagre de uma inesperada inversão. A PEC seria retirada de pauta na terça-feira, mas a Casa resolveu colocá-la em votação com o propósito de atender sem demora o apelo das ruas. Resultado: 430 contra, nove a favor e duas abstenções.
A PEC 37, como ficou conhecido o projeto, dava à polícia judiciária exclusividade nesse campo. Se aprovada, a emenda vedaria ao Judiciário a aceitação de provas que não tivessem sido produzidas pela Polícia Federal e polícias civis estaduais.
À falta de argumento mais convincente, os que defendiam a PEC afirmavam que, enquanto os policiais seguem regras rígidas no processo de apuração, membros do Ministério Público estariam investigando o que querem e como bem entendem, sem qualquer controle ou limitação. Se há mesmo essa “lacuna”, bastaria regulamentar de modo transparente e democrático um ritual mínimo a ser seguido nas investigações levadas a efeito pelo MP, desde, é claro, que essa não venha a ser mais uma forma de tolher a eficiência e a independência, às vezes incômodas, dos promotores e procuradores.
Na prática, a aprovação da emenda faria mais do que reduzir a ação dos ministérios públicos federal e estaduais à formulação de denúncias à Justiça. A sociedade veria reduzida a sua capacidade de desvelar ações criminosas e apontar seus autores em vários campos, como o de corrupção ativa e passiva, desvio de dinheiro público e privado, tratamento prejudicial ao consumidor, ao patrimônio histórico e ao meio ambiente. É que, sob as consequências da PEC, estariam afetados mecanismos e estruturas que também investigam crimes, como o Banco Central, a Receita Federal (inclui o INSS), a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ibama e os que colhem depoimentos e apuram irregularidades definidas no Código de Defesa do Consumidor.
A sociedade teria, portanto, muito a perder, já que, apesar de avanços como a aprovação da Lei da Ficha Limpa, ainda estamos longe de vencer a batalha pela moralização dos quadros políticos e da administração pública. Nesse sentido, parece mais aconselhável aumentar, em vez de reduzir o número de agentes qualificados no árduo trabalho de apurar crimes contra o erário e o patrimônio público.
Exagera quem pensa que, com derrubada da PEC 37, a impunidade caminha para o fim no Brasil. De fato, ainda há muito a fazer. Mas, com ela, certamente, a tarefa seria mais difícil.