O Orçamento impositivo

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Autor(es): Roberto Bocaccio Piscitelli
*Professor da Universidade de Brasília (UnB)

Em boa hora, o presidente da Câmara dos Deputados colocou na ordem do dia a discussão de proposta de emenda à Constituição (PEC) que torna o Orçamento impositivo. Esse tipo de Orçamento se contrapõe ao que se convencionou adotar no Brasil, de caráter meramente autorizativo, que praticamente transfere ao Poder Executivo a mais nobre e relevante função do Parlamento, razão originária da sua existência. Desse modo, o Executivo se torna o árbitro do que, quanto e quando gastar.
É essa prática que leva aos contingenciamentos, à retenção das liberações financeiras, à enxurrada de Restos a Pagar e ao cancelamento de despesas. Diante disso, é fácil imaginar o poder de barganha do Executivo e a falta de transparência nas negociações com os membros do Legislativo e com outros grupos de interessados para o desbloqueio das autorizações de despesas e liberação dos recursos financeiros.
Se o Orçamento continuar a ser tratado como mera declaração de intenções, como obra de ficção, não como lei mandatória, como compromisso entre governo e sociedade, longamente discutido, votado e aprovado, é melhor acabar com a a exigência e com a hipocrisia que cerca o ritual de tramitação.
A bem da verdade, uma das curiosidades que envolvem os nossos orçamentos é o foco todo voltado para os valores e o ritmo de execução, em detrimento dos objetivos e metas da programação. Parece não haver conexão entre o detalhamento das ações a serem realizadas a cada ano e a inserção no planejamento de médio e longo prazo.
É de destacar também o fato de que o uso da expressão Orçamento impositivo serve de pretexto para a alegação de que ele constitui camisa de força, de execução estrita, em quaisquer circunstâncias, como se já não bastassem as despesas obrigatórias e as vinculações. Isso é falso, na medida em que a realização plena do Orçamento depende, entre outras condições, da confirmação das estimativas de arrecadação, o que deve ser objeto de monitoramento contínuo, de forma transparente tanto para o Congresso Nacional como para a sociedade de modo geral.
Quaisquer alterações — isto sim — devem ser submetidas ao Congresso, nos termos de sua competência constitucional. Além do mais, cada atividade, cada projeto tem uma série de condicionantes de natureza legal e operacional e, até a liberação dos recursos, há todo um ritual, cujas normas e procedimentos obedecem aos parâmetros da administração orçamentária e financeira pública.
Por último, não se pode deixar de mencionar as tão criticadas e muitas vezes mal compreendidas emendas parlamentares. Primeiro, porque convém destacar que representam menos de 0,5% do Orçamento Geral da União. Segundo, porque nem sequer abrangem as empresas estatais, inclusive as instituições financeiras públicas, que submetem ao Legislativo apenas os investimentos stricto sensu (por exemplo, os prédios em que funcionam). Terceiro, porque são a saída para o atendimento das necessidades das comunidades locais, as bases eleitorais.
É através dos parlamentares — e talvez só mesmo por seu intermédio — que vozes isoladas e distantes expressam as demandas de um país imenso e extremamente desigual, que são pouco e mal percebidas pela tecnocracia dos órgãos do governo central, cujas preocupações (e isso é até óbvio) estão voltadas para as questões de dimensões nacional ou, quando muito, regional. Espera-se, entretanto, que o caráter impositivo do Orçamento não se restrinja a essas emendas, mas se aplique ao todo, até porque não se trata de assunto de interesse exclusivo dos parlamentares, mas de toda a população.
De toda a maneira, é pena que a importância das emendas parlamentares ainda seja pouco perceptível para as populações das cidades maiores e mais ricas. Os municípios estão longe de merecer a devida atenção de nossas classes dirigentes.