Infraestrutura e a sua oportuna retomada

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Autor(es): W. Moreira Franco

A preocupação da sociedade com o ritmo das obras de infraestrutura, refletida cotidianamente na imprensa, é salutar. É crucial que a população esteja permanentemente alerta, cobre o governo e ajude-o a fiscalizar o andamento dos projetos, vitais para o crescimento do país.

Algumas análises, porém, vêm atribuindo a lentidão a uma suposta inépcia gerencial ou à morosidade do governo. Há causas muito mais profundas que precisam ser explicadas. Para entendê-las, é preciso recuar a um período que – felizmente – a maioria dos brasileiros não viveu como adultos: a década de 1980.

Em 1982, o fluxo de capital para os países latino-americanos chegou a um fim repentino. Os empréstimos internacionais concedidos com liberalidade às nações em desenvolvimento nos anos 1970 secaram a partir de 1979, devido ao segundo choque do petróleo, à escalada da taxa de juros nos EUA e à recessão que atingia os países ricos. Esse dinheiro se materializou após o primeiro choque do petróleo, em 1973, quando os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep inundaram o mercado financeiro com dólares resultantes da alta dos preços do óleo, os chamados petrodólares. Os bancos, por sua vez, despejavam dinheiro a juros baratos sobre países em franca industrialização do Terceiro Mundo, entre eles o Brasil. Os empréstimos eram gastos na expansão da infraestrutura e da base industrial.

Com a volta dos investimentos públicos e o aumento da confiança o Brasil vai reencontrando o seu caminho

Com as mudanças no cenário internacional, a fonte secou. Diante dos desequilíbrios gerados pela crise do petróleo, o presidente do Banco Central americano, Paul Volcker, jogou as taxas de juros para cima e em pouco tempo as economias latino-americanas passaram a tomar novos empréstimos só para pagar juros da dívida. Com o fechamento do mercado de consumo europeu pela crise, não tinham a quem vender seus produtos. Em meados de 1982, o México decretou falência. Investidores correram para tirar seu dinheiro da América Latina. As economias da região começaram a cair como peças de um dominó. O Brasil, claro, estava nessa fila.

O resultado foi não apenas a interrupção dos investimentos em estradas, ferrovias, portos e aeroportos, como também o dilaceramento do próprio Estado. Entramos na era da inflação de mais de 80% ao mês, dos arrochos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da pesada dívida externa. No esforço tenaz de combater a hiperinflação, o gasto público tornou-se um anátema.

Tanto o governo federal quanto os estaduais e alguns municipais usavam os ministérios da Fazenda e do Planejamento para evitar despesas – algo politicamente menos desgastante do que simplesmente dizer não. O gasto público era controlado não por sua qualidade, mas por meio de uma barreira de obstáculos criados por estruturas complexas para dificultar o acesso a verbas.

Como consequência, a engenharia civil, enquanto atividade profissional praticamente acabou, e grandes escritórios de projetos, que empregavam quantidades enormes de engenheiros, como a Hidroservice, uma referência internacional, fecharam as portas. O rito técnico necessário ao planejamento e à execução de uma grande obra foi aos poucos desaparecendo do cotidiano dos gestores públicos.

O efeito desse ciclo de depressão econômica e burocratização da máquina pública foi longo e devastador, e deixou sequelas sérias no Estado. Ele só seria efetivamente rompido no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, pois até esse momento a ordem era não gastar. Foi só então que o governo restabeleceu sua capacidade de interferir na realidade, porque voltou a ter verbas. Surgiram nessa época programas muito importantes para o crescimento do país, a exemplo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com o Minha Casa, Minha Vida.

Hoje a questão fiscal e orçamentária no Brasil está equacionada e há disponibilidade de recursos e planos para a recuperação da infraestrutura. Só em aviação civil o governo está investindo R$ 8,5 bilhões até a Copa do Mundo de 2014, sendo R$ 3,6 bilhões nos quatro aeroportos já concedidos à iniciativa privada e outros R$ 4,9 bilhões nos demais aeroportos do país, por meio da Infraero. A próxima etapa das concessões, dos aeroportos de Confins e do Galeão, trará ainda mais recursos. Além disso, o governo investirá mais R$ 7,3 bilhões em aviação regional. A decisão está tomada, não há mais como adiar a agenda do desenvolvimento.

O gargalo, agora, é de outra natureza: o país precisa de mais engenheiros, de empresas de projetos e de gerenciamento. A máquina pública tem pressa para ampliar seus quadros e restabelecer plenamente o rito de elaboração de projeto, avaliação, projeto executivo e acompanhamento de obras que esvaeceu na Década Perdida.

Há também necessidade de aprimorar o marco legal para a contratação de obras. Isso já está acontecendo desde 2011, com a regulamentação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que avança em relação ao modelo tradicional de licitações ao encurtar o tempo do processo e o custo dos projetos. Concebido tendo em vista os grandes eventos esportivos, hoje o RDC pode ser empregado em todos os empreendimentos do PAC 2, a segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento. Outro sinal animador vem da própria sociedade e foi recentemente noticiado pelos jornais: a procura pelos cursos de engenharia superou os de direito pela primeira vez em décadas no Brasil.

O governo não está parado. Trabalha e enfrenta os novos desafios. Com a oportuna retomada dos investimentos públicos, o aumento da confiança do empresariado e a crescente eliminação de entraves burocráticos, o Brasil vem reencontrando seu caminho.

Wellington Moreira Franco é ministro da Aviação Civil