Projeto prevê quintuplicar produção no país

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Autor(es): Por Marcos de Moura e Souza | De Nordestina, Bahia

Fica numa região pobre e seca no interior da Bahia, onde rebanhos vêm morrendo de sede e boa parte da população depende do Bolsa Família, o alvo de um grupo de investidores estrangeiros acostumados a farejar negócios com diamantes.

É em Nordestina, cidade de 12 mil habitantes, onde está sendo desenvolvida aquela que deverá ser primeira mina de diamantes em rocha kimberlítica da América do Sul. São minas desse tipo que existem nos grandes produtores de diamantes: Rússia, países africanos, Austrália e Canadá.

Quem está a cargo do negócio é a Lipari Mineração, comandada pelo empresário e geólogo canadense Kenneth W. Johnson. Os sócios da Lipari são um fundo de investimentos baseado em Hong Kong, na China, o Favourite Company, e uma empresa familiar da Antuérpia, na Bélgica, a Aftergut & Zonen – ambos com negócios com diamantes pelo mundo.

A empresa já investiu R$ 60 milhões no chamado Projeto Braúna. No fim de abril, a mineradora apresentou à equipe do governador da Bahia, Jacques Wagner (PT), seu projeto de investimentos de quase R$ 100 milhões até o fim do próximo ano. O orçamento para este ano é de R$ 30 milhões.

Análises da Lipari apontam que o tipo de diamante presente na área, que atrai a atenções do setor desde os anos 80, está entre os cinco mais valiosos do mundo. A cidade está em uma região geológica chamada Green Stone Belt Itapicuru, formação semelhante à da África do Sul, favorável à ocorrência de ouro e diamantes.

A Lipari prevê produzir entre 225 mil quilates a 250 mil quilates de diamantes por ano ao longo de sete anos, que é a vida útil inicial estimada na futura mina. Trata-sede uma gota no oceano da produção mundial, que passa dos 120 milhões de quilates. Mas quintuplicará a produção legal anual de todo o país. De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o Brasil produziu 46.292 mil quilates em 2012.

Em um cenário otimista, o Projeto Braúna pode abrir uma porta para mudar a posição do Brasil no mercado mundial de diamantes. Atraindo outros investidores do ramo para a construção de minas em kimberlitos inexplorados no Brasil. O país está há alguns anos fora do radar das grandes mineradoras especializadas.

O cronograma prevê o início da escala comercial no primeiro trimestre de 2015. No fim de 2012, a companhia encerrou a fase de análises de 5 mil toneladas de rocha. Foi quando ratificaram a viabilidade econômica da mina. Em janeiro, um estudo de uma consultoria externa encomendado pela Lipari projetou lucro líquido de US$ 330 milhões durante os sete anos. As pedras brutas deverão ser vendidas em Antuérpia, Tel-Aviv (Israel) e Dubai (Emirados Árabes Unidos), centros mundiais de comércio das pedras, segundo Johnson.

A Lipari está em fase de obtenção da licença prévia do Estado da Bahia para seu projeto. A expectativa é consegui-la até agosto. E a licença de instalação – que vai permitir a abertura da cava – no fim do ano. Se assim ocorrer, a construção da mina e da unidade de processamento se estenderá por 2014.

O Brasil sempre extraiu diamantes na superfície do solo ou no leito de rios, longe da escala atingida na extração em kimberlitos

A mina será a céu aberto. A boca terá 340 metros de diâmetro e 250 metros de profundidade. É a estrutura adotada nas minas de diamantes dos grandes produtores no mundo: uma grande cratera, cujas laterais em degraus servem de “ruas” para que caminhões fora de estrada retirem toneladas de rocha onde estão os diamantes. Há cerca de 20 dessas minas em rochas kimberlíticas ou de outra natureza – chamadas de fontes primárias – no mundo.

O Brasil, que já foi o maior produtor de diamantes do mundo até o século 19 – antes das descobertas das minas da África -, sempre extraiu o mineral de camadas superficiais do solo ou do leito de rios, em garimpos de aluvião, um tipo de produção que não alcança a escala da extração em kimberlitos.

A Lipari extraiu no ano passado cerca de 2 mil quilates de diamantes do kimberlito Braúna 3, onde será construída a mina. São diamantes para estudos geológicos e econômicos que estão guardados num cofre de uma empresa de segurança em Salvador. “Eles são similares em qualidade aos que são produzidos na África do Sul”, disse Johnson ao Valor.

Com base nos dados coletados e em avaliações independentes, Johnson diz que os diamantes do local têm alta qualidade para à indústria joalheira. “Nossa expectativa é que os diamantes produzidos no Projeto Braúna tenham potencial para estar entre os top 5 do mundo em termos de preço.” Ele afirma que a última avaliação, de novembro, apontou valor médio dos diamantes do projeto de US$ 284 o quilate. “Provavelmente, o valor de venda oscilará entre US$ 275 e US$ 325 o quilate durante a operação da mina.”

O geólogo Francisco Valdir Silveira, chefe do Departamento de Recursos Minerais do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM, na sigla antiga) e coordenador do Projeto Diamante Brasil, que faz uma espécie de tomografia das áreas com potencial do país, destacou que o projeto “tem uma grande vantagem, os diamantes coloridos, e se surgir uma pedra grande colorida, paga o projeto.”

Diamantes já retirados em Nordestina sinalizam que a qualidade das pedras é similar às extraídas na África do Sul

Para os moradores de Nordestina, tudo isso ainda é um susto. Embora os estudos se arrastem por alguns anos, só em abril o negócio ganhou a imprensa baiana após a empresa ter discutido detalhes com o governo do Estado. “Há umas semanas, o vice-governador Otto Alencar me ligou e disse: “Você não tem noção do que vai acontecer no seu município””, conta o prefeito, Wilson Araújo Matos (PSD). A cidade terá receita adicional de milhões referentes a royalties e muita oferta de trabalho. Na fase de construção, serão criados cerca de 600 empregos – 330 durante a operação. Hoje o maior empregador da cidade é a prefeitura, com cerca de 600 funcionários.

Como quase todo o Nordeste, a cidade está sendo castigada pela seca que entra em seu terceiro ano. Já perdeu perto de 50% das 13 mil cabeças de vaca, ovelhas e cabras que seus moradores possuíam, segundo o secretário municipal da Agricultura, João Batista de Andrade. Sua economia roda basicamente com recursos de aposentadorias, salários dos servidores, recursos do Bolsa Família e de garimpos clandestinos de ouro.

Na cidade, há um clima de expectativa sobre os diamantes. De pequenos comerciantes a agricultores e funcionários públicos todos têm histórias para contar. Dizem que a mineradora vai construir um aeroporto para levar os diamantes para o exterior [será, na verdade, uma pista de pouso no projeto]; que com o início da operação, a cidade corre o risco de se encher de prostíbulos e drogas, tal qual um grande garimpo; e que a terra na cidade agora vale muito, mais muito mais por causa do projeto. De fato, de repente, falar em milhões de reais por um pedaço de chão de terra seca na cidade passou a ser comum. Motivo: empresa está em fase de discussão e avaliação sobre a aquisição de terras.

A nova usina de processamento dos diamantes está sendo construída parte em São Paulo, pela Metso, e parte pela ADP Marine & Modular, da Cidade do Cabo, na África do Sul. Ela vai custar US$ 25 milhões e terá capacidade de processar 100 toneladas por hora de rocha. A unidade atual tem capacidade para 10 toneladas. O novo equipamento deve chegar no fim do ano à Bahia.

“Não temos dificuldade para emitir os licenciamentos para nenhum projeto na Bahia. As licenças não serão obstáculos para eles [Lipari], como não são para projetos de outros minérios”, diz o secretário estadual da Indústria, Comércio e Mineração, James Correia.

Os riscos são os mesmos e velhos conhecidos das mineradoras: uma nova crise internacional, que levaria para baixo o preço dos diamantes e retrairia fontes de capital; dificuldades burocráticas no licenciamento ambiental na Bahia; as incertezas em relação ao novo código mineral que o governo prepara; elevação de custos se o cronograma for alterado; e dificuldades nas negociações com os donos das terras onde está o projeto.

“Não vejo por que não dar certo. O mercado de diamantes está reaquecendo, a demanda reagindo depois da queda provocada pela crise de 2008, e não existem novas descobertas [de kimberlitos] no mundo”, diz Silveira, do CPRM. “Todos estão procurando novas fontes de diamantes”, afirma Johnson.

Estimativas do setor apontam que a demanda mundial por diamantes brutos subirá da casa dos US$ 14 bilhões atuais para quase US$ 20 bilhões até o fim da década ao mesmo que as minas atuais estão perdendo fôlego.

“Acredito que com Braúna produzindo, investidores possam se sentir atraídos por outros projetos no Brasil”, diz Silveira. Há pelo menos outros três kimberlitos bastante estudados no país que estariam prontos para projetos de minas, afirma o geólogo: em Minas, Mato Grosso e em Rondônia.