Governo torna a política fiscal cada vez mais frouxa

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A política fiscal dá sinais de fragilidade desde o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. No momento em que foi aberto espaço para que os juros reais caíssem a um nível histórico, a lógica recomenda que um pouco mais de austeridade nas contas públicas escorasse uma política monetária branda. Ao contrário, ela tornou-se expansionista, sem preocupações com as conveniências. Assim, o Tesouro anunciou às vésperas de uma das mais esperadas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) que se desobrigaria de realizar metas fiscais não cumpridas por Estados e municípios, além de reservar-se também o direito de abater R$ 65 bilhões da meta de 2,1% que compete à União na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2013. A decisão do Copom, no dia seguinte, tomou o caminho do aperto monetário, inclusive porque ao redor do Banco Central há sinais em demasia de que a ordem é aumentar os gastos públicos, e não o contrário.

Ainda que não haja desastre à vista no campo da dívida pública, a leniência com o equilíbrio fiscal sempre foi quase tão intensa quanto a tolerância dos governos com a inflação até o Plano Real e mesmo depois dele. Foi após a falência do câmbio semifixo do governo de Fernando Henrique Cardoso e da eclosão de uma crise cambial em 1999 que superávits fiscais expressivos, acima dos 3%, entraram na ordem do dia do governo tucano, sob impulso do FMI. O governo FHC tomou a iniciativa de renegociar a dívida de Estados e municípios em 1997 e legar a seus sucessores a Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos maiores avanços institucionais para a gestão prudente do dinheiro público da história do país – sob oposição do Partido dos Trabalhadores.

Após uma década de disciplina, há indícios claros de que agora se caminha no sentido contrário. As manobras da “contabilidade criativa” confirmaram as piores suspeitas de que a meta fiscal começou a se tornar uma peça decorativa. Junto com elas vieram autorizações para que os Estados voltassem a contrair dívidas, em alguns casos em um esquema potencialmente problemático na eventualidade de crises futuras. O Tesouro passou a dar seu aval a empréstimos externos a Estados, em que bancos estrangeiros oferecem recursos para que paguem o Tesouro e reduzam seu coeficiente de endividamento líquido, abrindo espaço para mais dívidas. Os Estados passam a se endividar em dólares para, na melhor das hipóteses, se livrar de dívidas em reais e, na pior, para aumentá-las. Ao primeiro choque cambial severo, a dívida em dólar vai para o espaço e o Tesouro será chamado para apagar incêndios.

Como a União quer romper o círculo da baixa poupança interna e da falta de recursos de longo prazo sem ter dinheiro para isso, resolveu fazê-lo emitindo dívida. Para obter um crescimento econômico rápido, anunciou que, no limite, se contentará em 2013 com um esforço fiscal da ordem de 0,9% do Produto Interno Bruto, de certa forma dispensando os Estados e municípios de cumprirem sua parte. Não à toa, já em 2012 as economias primárias de Estados e municípios foram as mais baixas desde 1999.

Economistas do governo argumentam que há espaço fiscal para um esforço anticíclico e que a dívida pública brasileira está longe de chegar perto ou ultrapassar os três dígitos, de países desenvolvidos em apuros – embora defendam mais estímulos fiscais por lá também. A situação brasileira é, de fato, confortável, já que a dívida líquida é de 33% do PIB. Mas todos os subsídios e travessuras fiscais aparecem na dívida bruta, de 68,5% do PIB, praticamente o dobro da de países emergentes da Ásia e emergentes do G-20. O outro lado da moeda é que a carga tributária, de 37,2% do PIB em 2012 (FMI), é muito superior aos 27,7% da média dos países emergentes, aos 21,5% do PIB dos países asiáticos, e até um pouco superior à da média da Europa, de 36,8%.

Com dívida bruta crescente, corta-se o caminho para a redução de tributos, uma das principais desvantagens concorrenciais do Brasil. As desonerações tributárias são o ponto positivo das ações do governo, mas elas parecem estar sendo feitas ao sabor dos objetivos do momento, em meio a uma chuva de subsídios e programas setoriais.

O ambiente político, em que a reeleição já entrou em cena, tende a piorar a gestão fiscal. Apoios da base governista e dos Estados custam caro. Os maus exemplos estão se proliferando e, sem um sinal claro da União, o risco de descontrole fiscal a médio prazo deixa de ser desprezível, como era.