O argumento do BC para elevar o juro

284

Cristiano Romero

Valor Econômico – 10/04/2013

 

 

Aumentou a chance de o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentar a taxa básica de juros (Selic) na reunião da próxima quarta-feira, dia 17. O Banco Central (BC), depois de intensa “troca de informações” com o Palácio do Planalto, planejava mexer na Selic apenas no encontro do Comitê agendado para 29 de maio. Até lá, conheceria a inflação de abril acumulada em 12 meses e o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre.

As circunstâncias mudaram e elas não têm relação com a inflação. Já se sabe há um bom tempo, dentro e fora do BC, que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses até março deve estourar o teto do regime de metas (6,5%). O número será divulgado hoje – se tiver alcançado mais de 0,39%, terá superado o teto. Para justificar suas decisões de política monetária, o BC olhará não apenas para o índice, mas também para o grau de difusão de reajustes e os núcleos.

O que está em jogo, agora, é a credibilidade do Copom, aspecto crucial para o sucesso da gestão de expectativas. A ideia de começar um ciclo de alta do juro apenas em maio foi solapada pelas declarações da presidente Dilma Rousseff em Durban, há duas semanas. A presidente expressou um claro incômodo com o plano, em curso, de se combater a alta de preços com aperto monetário. O desmentido feito em seguida não foi capaz de substituir a mensagem original.

Inflação até março é alegação “técnica” para alta em abril

O episódio fez a diretoria do BC rever a estratégia de comunicação. Ao prestar depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na semana passada, o presidente da instituição, Alexandre Tombini, introduziu, pela primeira vez, preocupação com a inflação de março, o seu índice de difusão e os núcleos. Foi a justificativa técnica encontrada para amparar a alta da Selic em abril, em vez de em maio.

A provável antecipação da decisão é para mostrar que o Banco Central tem autoridade e suas decisões não são tomadas no Palácio do Planalto. A percepção de que a atual diretoria não goza de autonomia tem custado caro à política de controle da inflação. Por outro lado, era preciso encontrar um argumento “técnico” para legitimar a mudança de estratégia, do contrário, o BC seria visto em Brasília como caudatário do mercado, que, na visão do governo, estaria forçando a autoridade monetária a elevar os juros agora.

Por causa da indicação de Tombini, nos últimos dias o mercado passou a especular sobre qual resultado do IPCA em março deflagraria um aumento da Selic em abril. Alguns acreditam que, apenas se o IPCA tiver superado 0,53% no mês passado, o Copom começará a atuar já neste mês. É uma discussão nonsense, mas é assim, graças aos sinais confusos de Brasília, que o mercado tem funcionado ultimamente.

Não é a presidente Dilma quem define a taxa de juros. As decisões cabem ao Copom, mas não é segredo que a presidente precisa ser convencida. Não chega a haver uma negociação do BC com o Palácio do Planalto, mas existe, segundo uma fonte graduada, “diálogo, troca de informações e percepções sobre para aonde vai a economia, crescimento, inflação, setor externo, economia internacional”. “Tem que ter esse tipo de troca”, revela a fonte.

No início do governo, Tombini visitava Dilma no palácio fora da agenda oficial. Hoje, faz isso com menor frequência, embora sejam comuns as conversas por telefone. Em agosto de 2011, os dois acertaram o aumento do esforço fiscal, seguido do anúncio, pelo Copom, do início do ciclo de corte de juros. No começo deste ano, combinaram o reajuste da gasolina, o corte das tarifas de energia e a suspensão da política de desvalorização do real frente ao dólar.

Em fevereiro, diante de uma inflação no mês anterior maior e mais disseminada que a esperada, Tombini mudou a comunicação do BC, sinalizando um possível ciclo de alta da Selic. Preocupada com o PIB, que vem crescendo abaixo do potencial desde o início do seu mandato, Dilma questionou a necessidade de aumento imediato do juro. Resultou daí a ideia de se esperar o resultado da inflação em 12 meses até abril, uma vez que já se sabia que ela estouraria o limite superior da meta em março, e o PIB do primeiro trimestre.

Quando julga necessário, Tombini manifesta à presidente preocupação com a inflação de alguns setores. O exemplo mais recente se referiu aos preços agrícolas. Numa conversa com a presidente, o presidente do BC se queixou da alta de 35% nos preços do arroz e do feijão e de 100% no da farinha de mandioca no ano passado. “O celeiro do mundo não está sendo celeiro do próprio país. O que está acontecendo?”, indaga uma fonte.

“Inflação é inflação. Tem várias pontas. O BC tem que ter um viés anti-inflacionário. Medidas que vão no sentido oposto certamente não são apreciadas pela autoridade monetária”, sustenta um auxiliar da presidente Dilma.

Tombini, agora, corre contra o tempo. Não perde mais uma oportunidade para reafirmar o papel do BC como guardião da estabilidade de preços. Está diante de um enorme desafio porque a equipe econômica, da qual faz parte, nunca acreditou no regime de metas para inflação e no sistema de câmbio flutuante, além de jamais ter defendido a disciplina fiscal como cláusula pétrea da estabilidade econômica.

Na noite de segunda-feira, em Porto Alegre, sua terra natal, Tombini reiterou, durante um evento, as mensagens pró-responsabilidade monetária, mas recorreu novamente à palavra “cautela”, decorrente, segundo ele, de “incertezas remanescentes”. Para alguns analistas, a essa altura “cautela” não significa mais a possibilidade de o Comitê de Política Monetária não elevar os juros em abril ou em maio, mas de fazer um ciclo menos intenso que o esperado pelo mercado. Algo como uma alta de 100 a 150 pontos-base, o que levaria a taxa Selic para 8,25% ou 8,75% ao ano.