Editorial – Previsões pessimistas no relatório de inflação do BC

150

Valor Econômico – 02/04/2013

 

 

Normalmente o Banco Central (BC) começa o ano otimista, com previsões positivas para o crescimento econômico e a expectativa de que a inflação vai convergir para o centro da meta, ainda que de forma não linear. Mas o primeiro relatório trimestral de inflação deste ano feito pelo BC, divulgado na semana passada, mais do que realista, beirou o pessimismo.

O ponto mais negativo foi a previsão para a evolução dos preços. Segundo o BC, a inflação não só vai estourar o teto da meta, que é de 6,5%, no primeiro semestre deste ano, como ficará acima do centro da meta, de 4,5%, até o fim do mandato da presidente Dilma Rousseff, em 2014. A inflação acumulada em 12 meses fechou o primeiro trimestre em 6,5%, chegará a 6,7% ao fim do segundo, para então recuar a 6% no terceiro e terminar o ano em 5,7%. Para 2014, as previsões são um pouco melhores e situam a inflação em 5,4% no primeiro trimestre e em 5,2% no segundo, subindo no fim do ano a 5,3%.

O Banco Central elevou as projeções feitas ao fim de 2012. A variação esperada para a inflação neste ano subiu de 4,8% para os 5,7% dentro do cenário de referência; e a de 2014 passou de 4,9% para 5,3%. Pela primeira vez, o BC divulgou sua estimativa para a inflação no início de 2015, de 5,4% no primeiro trimestre. Quando o Banco Central refez suas contas, o cenário do mercado financeiro embutia a projeção de inflação de 5,8% neste ano e números mais otimistas para 2014 e 2015, de 5,1% e 5,2%, respectivamente. A diferença fundamental entre os dois cenários é que o do Banco Central prevê a estabilidade da taxa básica de juros em 7,25% neste ano; e o do mercado considera uma taxa média de 7,79% em dezembro. Uma eventual elevação dos juros não teria, portanto, impacto na inflação deste ano, mas sim nos próximos.

As estimativas são ainda mais preocupantes porque já incorporam o impacto de desonerações promovidas pelo governo. O relatório não cita números, mas quando a desoneração da cesta básica foi anunciada, comentou-se que reduziria a inflação em até 0,6 ponto caso houvesse repasse integral ao varejo. As coletas de preço ainda não capturaram esse benefício, provavelmente por causa da pressão do frete, que vem subindo. A redução da energia elétrica causou a queda de mais 0,6 ponto na inflação, mas o benefício foi parcialmente neutralizado pela elevação da gasolina.

Um novo elemento no tabuleiro dos preços é a decisão do governo, tomada neste fim de semana, de prorrogar a redução do IPI do automóvel até o fim do ano. Já se fala que o mesmo pode acontecer com os produtos da linha branca, cujo IPI também estava sendo recomposto depois da redução do ano passado. Quando essas desonerações foram feitas, em 2012, calcula-se que teriam reduzido em 0,4 ponto a inflação.

O relatório ressalta que o mercado de trabalho tem apresentado risco importante para a inflação. Um box inteiro é dedicado ao assunto, com conclusões claras a respeito do impacto na inflação dos aumentos reais de salário que vêm sendo concedidos. A regra de corrigir o salário mínimo pela inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) catapultou a renda nos últimos anos, especialmente dos trabalhadores menos remunerados, com aumentos de 14% em 2012 e 9% neste ano. A conclusão do BC é que “reajustes salariais acima dos ganhos de produtividade tendem a gerar pressões inflacionárias, que são mais expressivas no setor de serviços”. Por isso, não escondeu a certeza de que “a recente moderação dos aumentos salariais e menores reajustes do salário mínimo tendem a implicar pressões inflacionárias menores do que as identificadas no passado recente”.

O diretor de Política Monetária do BC, Carlos Hamilton Araújo, foi mais claro ao afirmar ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, que, “no fim do dia, o ganho [de aumentar salários acima da taxa de produtividade ] é nulo. Não tem mais salário [no bolso do trabalhador]; só vamos ter mais inflação”, disse Araújo.

Não fosse a menção aos riscos dos aumentos dos salários, um tema delicado em um governo que vem buscando reduzir as desigualdades, o novo relatório trimestral de inflação careceria de novidades. De resto, é bastante coerente com a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), inclusive ao não dar pistas a respeito do comportamento futuro dos juros e na promessa de conduzir com “cautela” a política monetária.