CIEE, educação e desenvolvimento :: Antonio Delfim Netto

513
Brasil
Autor(es): Antonio Delfim Netto
Valor Econômico – 16/10/2012
 

No seu quase meio século de existência, o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) tem sido pioneiro e o mais eficiente instrumento de inclusão social construído pelo setor privado. Numa sociedade em que a atividade econômica é realizada por este – que é a garantia da possibilidade de existência da plena liberdade de iniciativa dos homens – o CIEE é um mecanismo facilitador do funcionamento do “mercado de trabalho”, o mais importante de quantos são necessários para uma alocação eficiente da força de trabalho que constitui a própria sociedade.

Ao aproximar e facilitar o ajustamento entre as necessidades das empresas e a disponibilidade de talentos gerados na escola, ele diminui os atritos e harmoniza o encontro. O “estágio” é um verdadeiro “rito de passagem”, no qual o portador do conhecimento é transformado no instrumento de promoção da sua prática.

Executa ainda o CIEE duas outras funções de máxima importância. Primeira, a de dar oportunidade para que os talentos com uma ou outra deficiência encontrem a sua identidade dentro da sociedade e se integrem a ela, sem o que jamais poderiam sentir-se úteis e exercer plenamente a sua cidadania. Segunda, a de ampliar o horizonte dos jovens, explorando visões alternativas do “futuro das profissões”, elemento essencial na escolha da orientação que influenciará toda a sua vida.

A importância do CIEE é ainda maior por que dando uma formação humanista aos seus “estagiários” previne as graves consequências do empobrecimento do homem pela divisão do trabalho.

Centro dá formação humanista a seus “estagiários”

Aprofundando a análise de A. Ferguson (“Essays on the History of Civil Society”, 1767), Adam Smith revelou os inconvenientes implícitos na divisão do trabalho, condição necessária para o progresso econômico. Isso o deixou na paradoxal situação de colocar em dúvida o processo civilizatório e o aperfeiçoamento moral dos membros dos países engajados no desenvolvimento econômico. Para Smith a “divisão do trabalho” levada ao seu extremo, transforma o operário especializado “tão idiota e ignorante quanto uma criatura humana possa tornar-se”.

Smith afirma na “Riqueza das Nações” (1776) que “a inteligência do homem, suas possibilidades de estabelecer ligações imaginárias entre as coisas, seus conhecimentos e suas faculdades morais são profundamente prejudicadas pela divisão do trabalho que o torna um incapaz”.

As relações entre o crescimento econômico e a educação são extremamente complexas, mas não pode haver dúvida, são relações profundas e decisivas. O desenvolvimento econômico é um fenômeno termodinâmico. Os países são, naturalmente, soberanos e territoriais (o que é meu é meu), seus habitantes são gregários (quem não é meu, não é meu amigo) e imitadores (com convenções que facilitam suas decisões e revelam uma tendência à igualdade). O processo de desenvolvimento econômico reside da capacidade do país de capturar a energia dispersa na natureza em seu território e dissipá-la no consumo dos bens e serviços de que necessita para a sua subsistência e sustentar a sua dinâmica demográfica.

Todo esse processo é dominado pela acumulação do conhecimento na exploração dos recursos naturais que são sempre finitos. Numa sociedade fechada, sem relações com o exterior, esse fato é claramente visível, mesmo quando a energia provém de fontes renováveis. Primeiro, porque depois de utilizados, o recurso natural volta à natureza degradado, como é evidente na exploração agrícola medieval. Segundo, porque a produção de um bem ou de um serviço produz uma quantidade proporcional de dióxido de carbono equivalente, o que degrada também o meio ambiente.

Numa economia aberta, em que há troca com o mundo exterior, a situação é análoga. O processo de desenvolvimento pode ser um pouco mais eficiente, mas as mesmas restrições valem para o conjunto, o que significa que sem alterações estruturais o desenvolvimento global tem um limite físico condicionado por mutações na dinâmica demográfica dos países, influenciada basicamente pela educação das mulheres e na eficiência no uso dos recursos naturais para aumentar a produtividade, e reduzir a relação CO2 equivalente/por unidade do PIB, produzido, o que depende, basicamente, da educação, da pesquisa e da inovação.

A educação tem ainda um efeito significativo para a paz social, porque além de tornar mais eficiente e acelerar o processo produtivo, ela diminui as distâncias naturais entre os homens, cujo efeito mais visível, mas não o mais importante, é reduzir as desigualdades de rendimentos. A teoria sugere e a experiência empírica confirma, que as sociedades menos desiguais quando utilizam os “mercados” para a alocação dos fatores e dar liberdade de escolha ao consumidor, tendem a ser mais prósperas.

Toda essa discussão por mais importante que seja é extremamente reducionista. É com a educação que o homem conquista a sua humanidade. O homem não é apenas um “fator de produção”. A sua eficiência na produção de sua subsistência, derivada da divisão do trabalho é o instrumento para deixar-lhe mais tempo livre para viver a sua humanidade!

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.