Propulsão estatal em tempos de neoconstitucionalismo:: Alécia Paolucci Nogueira Bicalho

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Autor(es): Alécia Paolucci Nogueira Bicalho

Correio Braziliense – 05/09/2012

 

 

Advogada sócia de Motta & Bicalho Sociedade de Advogados

Este mês, o Executivo federal consolidou sólidas ações de fomento à infraestrutura em suas vertentes orçamentada e desorçamentada. O Programa de Investimentos em Logística para rodovias e ferrovias visa promover o desenvolvimento do serviço de transporte ferroviário, de forma integrada com os demais modais, construir a infraestrutura, delegar a operação do serviço e fomentar o desenvolvimento tecnológico. A Empresa de Planejamento e Logística S.A. será gerida por competentes mãos do setor, com projetos e licitações condicionados à aprovação do Tribunal de Contas da União (TCU).

As rodovias serão delegadas por concessão comum, e as ferrovias, por Parceria Público-Privada, prevista a compra — pela Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. — da capacidade de operação, com subsequente oferta pública aos usuários.

Dois aspectos estruturais das modelagens denotam o amadurecimento dos processos congêneres anteriores, relacionados às delegações do setor ferroviário. Primeiro, fica assegurado o compartilhamento da infraestrutura, a teor do que ocorre desde 1999 em outros setores, por força de resolução conjunta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Segundo: os valores de outorga serão aplicados na obra, afastada a mera noção de arrecadação de recursos com os ativos concedidos.

Também os investimentos são potencializados nas medidas de atratividade às parcerias, trazidas pela Medida Provisória nº 575 (2012): aporte de recursos para a construção e aquisição de bens reversíveis; pagamento de parcela fruível do serviço; desoneração da contraprestação pecuniária; agilidade nos mecanismos de pagamento e de acionamento da garantia pelo parceiro privado.

O Estado surge fortalecido no modelo, resguardando seu poder de regulação e fiscalização. E a ação governamental é multifocal. A integração logística dos modais, com aumento de investimentos em infraestrutura, visa ampliar a eficiência e a capacidade de transporte, reduzindo o custo Brasil e ao mesmo tempo criando condições de sustentabilidade.

O desenvolvimento sustentado vem prosseguindo ainda na Lei de Diretrizes Orçamentárias da União, e suas metas e prioridades representadas pelos Programas de Aceleração do Crescimento e Brasil sem Miséria — com celeridade e eficácia ora potencializadas pelo Regime Diferenciado de Contratações.

O vínculo entre infraestrutura e RDC vai se ampliando. Segundo o cronograma de licitações de rodovias para 2012 e 2013, apresentado pelo Ministério dos Transportes e Dnit, a 2ª etapa do Crema será licitada em sua grande maioria pelo RDC, por preço global e contratação integrada; em 2013 os processos serão, todos, de contratação integrada.

A propósito, é nítida a identificação conceitual entre as delegações e os regimes preferenciais do RDC — em especial a contratação integrada. A síntese lógica do regime é toda na linha de um maior de trepasse de atribuições ao contratado, com densa assunção de responsabilidade pela consistência dos preços e pela estabilidade do horizonte projetado para a execução contratual.

A incongruência fica por conta de travas salpicadas aqui e ali, rigorosamente incompatíveis com o regime de orçamentação, em que o dever da administração de definir claramente o objeto licitado, a mutabilidade do contrato, e o princípio ao equilíbrio econômico-financeiro são realidades contundentes e inafastáveis.

Há natural desconforto em face da imprevisibilidade ínsita a toda mudança e experimentação. Durante anos representantes do setor da construção pesada atuaram de forma colaborativa e participativa com as autoridades, na linha de evolução da Lei 8.666/93. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção condensou os “19 conceitos” — afastados com a superveniente criação do RDC, que, a seu turno, já vem sendo objeto de proposições pelo setor (e.g. aumento para 180 dias do prazo de entrega das propostas na contratação integrada e exigência de garantia de proposta para mitigar riscos inerentes ao sistema de lances).

O cenário aponta para uma perspectiva promissora, de saudável parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada. Os contornos neoconstitucionalistas da privatização estão expressos na tutela do uso das contratações públicas como via catalizadora do incentivo ao crescimento da economia e à dignidade da pessoa humana. É o Estado em mutação, de Diogo de Figueiredo Moreira Neto. É o Estado no comando, no exercício de seu poder de propulsão, na bem cunhada expressão de José Nilo de Castro.