É o novo-desenvolvimentismo? :: José Luis Oreiro

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Autor(es): José Luis Oreiro

Fonte: Valor Econômico – 27/10/2011

O novo-desenvolvimentismo é definido como um conjunto de propostas de reformas institucionais e de políticas econômicas por meio das quais as nações de desenvolvimento médio buscam alcançar o nível de renda per-capita dos países desenvolvidos. Essa estratégia de “alcançamento” baseia-se explicitamente na adoção de um regime de crescimento do tipo export-led, no qual a promoção de exportações de produtos manufaturados induz a aceleração do ritmo de acumulação de capital e de introdução de progresso tecnológico na economia. A implantação dessa estratégia requer a adoção de uma política cambial ativa, que mantenha a taxa real de câmbio num nível competitivo no médio e longo-prazo, combinada com uma política fiscal responsável que elimine o déficit público e controle o ritmo de expansão dos gastos de consumo e de custeio do governo de forma a permitir um aumento sustentável do investimento público. A manutenção da taxa real de câmbio num patamar competitivo no médio e longo-prazo exige não só a adoção de uma política cambial ativa, como também uma política salarial que promova a moderação salarial ao vincular o aumento dos salários reais ao crescimento da produtividade do trabalho. A combinação entre política fiscal responsável e moderação salarial se encarregaria de manter a inflação a um nível baixo e estável, permitindo assim que a política monetária seja utilizada para a estabilização do nível de atividade econômica, ao mesmo tempo em que viabiliza uma redução forte e permanente da taxa real de juros.

Modelo brasileiro cria uma verdadeira escolha de Sofia entre aceleração da inflação e desindustrialização

O regime de política macroeconômica (RPM) adotado nos últimos anos tem muito pouco em comum com o modelo “novo-desenvolvimentista”. Em primeiro lugar, o novo RPM permitiu um aumento considerável dos gastos primários do governo federal, os quais aumentaram em quase 3 p.p com respeito ao PIB desde 2008. Embora o superávit primário tenha se mantido num patamar suficiente para garantir uma modesta redução da relação dívida pública/PIB, a forte expansão dos gastos primários do governo sinalizou a realização de uma política fiscal eminentemente expansionista no período 2008-2010. De fato, conforme o multiplicador do orçamento equilibrado de Haavelmo, um aumento proporcional nos gastos do governo e nos impostos faz com que a demanda agregada aumente exatamente na mesma magnitude que os gastos do governo.

A política salarial teve por objetivo induzir um crescimento do salário real acima da produtividade do trabalho. Isso se deve à regra de reajuste do salário mínimo, que vinculou o aumento do salário mínimo no ano t com a inflação ano t-1 e o crescimento do PIB do ano t-2. Essa regra de reajuste de salário mínimo, além de aumentar o grau de indexação da economia brasileira ao atrelar o reajuste de um preço básico da economia à inflação do ano anterior, resulta num aumento do salário mínimo real a um taxa muito superior ao crescimento médio do PIB per-capita e, portanto, da produtividade do trabalho, supondo constante a taxa de participação. Dado o “efeito farol” do salário mínimo sobre a estrutura de salários relativos, o resultado final foi um aumento do salário real médio acima do crescimento médio da produtividade do trabalho.

No que se refere à dinâmica da taxa real de câmbio, verifica-se entre setembro de 2008 e abril de 2011, uma forte valorização da taxa real efetiva de câmbio, apesar das tentativas do governo de controlar essa valorização por intermédio da política de acumulação de reservas internacionais, bem como pela introdução de controles à entrada de capitais na economia brasileira.

A ineficácia da política cambial brasileira deve-se, em parte, à timidez dos controles de capitais adotados; mas fundamentalmente deveu-se a inconsistência do RPM adotado no Brasil nos últimos anos. Com efeito, a combinação entre política fiscal expansionista e elevação do salário real acima da produtividade do trabalho resultou numa trajetória ascendente da taxa de inflação, a qual impediu a continuidade do processo de redução da taxa de juros. A manutenção da taxa de juros em patamares elevados a nível internacional atuou como um enorme atrator de capitais especulativos, num contexto de liquidez mundial abundante devido às operações de relaxamento quantitativo do Fed, o banco central americano, induzindo a apreciação da taxa real de câmbio, o que contribuiu para acelerar a deterioração do saldo da conta de transações correntes e o processo de desindustrialização da economia brasileira.

O RPM brasileiro não permite a obtenção simultânea de uma taxa de inflação estável e um nível competitivo para a taxa real de câmbio. Isso cria um dilema para o governo na condução diária do RPM. A forte expansão da demanda agregada doméstica num contexto de elevação do salário real acima da produtividade do trabalho resulta na aceleração da taxa de inflação, caso o governo decida impedir a valorização da taxa real de câmbio resultante dessa combinação de políticas. Por outro lado, se a decisão do governo for manter a inflação estável, a taxa de juros deverá ser mantida em patamares elevados, induzindo assim uma forte entrada de capitais externos, que irá produzir a continuidade da apreciação da taxa real de câmbio.

Em resumo, o RPM brasileiro não se baseia no “modelo novo-desenvolvimentista”, pois cria uma verdadeira escolha de Sofia entre aceleração da inflação e desindustrialização.

José Luis Oreiro é professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília.