REFORMA ADMINISTRATIVA PODE IMPACTAR NEGATIVAMENTE A RECUPERAÇÃO DA ECONOMIA

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O crescimento de 1,1% do PIB brasileiro em 2019 foi decepcionante por causa das reformas promovidas pelo Governo, como a trabalhista e a da previdência, e não apesar delas. Mais: caso a política econômica liberal continue a pautar o Executivo e o Legislativo, a tendência é que a atividade econômica patine ainda mais.

A opinião foi apresentada na última quinta-feira (5) na Câmara dos Deputados durante o seminário “Plano Mais Brasil em Debate: a PEC Emergencial”. 

De acordo com o professor de economia da Universidade de Brasília José Oreiro, as políticas de austeridade fiscal não ajudaram na recuperação econômica brasileira.  “A evidência empírica mostra que o crescimento potencial pode ter se reduzido”, explica. 

Com gráficos, ele demonstrou que após períodos de crise (1981 a 1983, 1990 a 1993, e 2009), a economia brasileira apresentou variações positivas muito acima da média do período, de 2,81%. Porém, o combate à crise de 2015 e 2016, que teve como estratégia a austeridade, não tem conseguido sequer atingir a média histórica de crescimento. 

“Dizer que as reformas aumentaram o potencial de crescimento da economia brasileira é uma fake news. A economia brasileira está crescendo abaixo do seu crescimento típico”, explicou o professor. A razão foi a retirada do protagonismo do Estado como uma espécie de “amortecedor” para os momentos de crise de retomada. Se as famílias estão reduzindo o consumo e as empresas reduzindo investimentos, se o Estado cortar ainda mais os seus gastos, a economia cai”, disse. 

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Segundo o professor, a agenda de austeridade tem potencial para aprofundar o quadro recessivo. Por esse motivo, as Propostas de Emenda Constitucional (PEC) 186, 187 e 188, que constituem o chamado “Plano Mais Brasil”, são vistas como ameaça. As propostas foram chamadas, respectivamente, de PEC Emergencial, PEC dos Fundos Públicos e PEC do Pacto Federativo.

No caso da PEC 186, se aprovada, o Governo poderá a reduzir em até 25% o salário dos servidores públicos. Somente esta medida poderá levar a uma queda de 1,4% no PIB em um curto prazo com relação ao cenário de referência. Em médio prazo, a queda é de 1%. 

Os dados são do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada do CEDEPLAR, da Universidade Federal de Minas Gerais. O horizonte de simulação vai do primeiro trimestre de 2020 até o terceiro trimestre de 2023. De acordo com o professor José Oreiro, a simples apresentação da proposta já traz efeitos negativos para a atividade econômica, pois o clima de incerteza tira a motivação dos servidores para qualquer decisão de compra. 

Na apresentação das PECs, o governo não apresentou nenhum estudo sobre esses impactos econômicos. Também não foram estimados os impactos sociais decorrentes de uma redução da oferta dos serviços públicos. 

“O que a PEC 186 faz é propor a radicalização da austeridade e da minimização do Estado e das políticas públicas”, afirmou o auditor federal Bráulio Cerqueira. Segundo ele, a proposta do governo se baseia em princípios discutíveis e pode trazer sérias consequências para a sociedade. “O Plano Mais Brasil, ao invés de corrigir as disfunções das regras fiscais, antecipa, aprofunda e estende os cortes de despesas previstos em caso de descumprimento do Teto de Gastos”, completou. 

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O Deputado Federal Professor Israel Batista, presente no seminário, criticou a adoção de medidas sem bases técnicas. “Do ponto de vista acadêmico, essas reformas ainda não foram avaliadas na maioria dos países”, disse. 

Segundo o deputado, a experiência internacional é contrária a esse tipo de reforma: a França foi cautelosa na adoção de medidas de austeridade, enquanto Bélgica e Alemanha não aceitaram esse tipo de reforma. No Hemisfério Sul, porém, nações mais fragilizadas economicamente são pressionadas por esse tipo de solução, e já se nota arrependimento, como no caso chileno. “Vendo a experiência internacional, vemos que o discurso é o mesmo. São soluções de gaveta”, argumentou.

Impacto social

A proposta de redução de até 25% dos salários dos servidores também envolve reduzir 25% da oferta dos serviços públicos. “Não estão reduzindo salários, e sim trabalho. Ou seja, 25% a menos em oferta de serviços, sendo eles a saúde, a educação e serviços fiscais (arrecadação, fiscalização, combate à corrupção), entre outros. Vai ocorrer redução do serviço público”, esclareceu o professor José Oreiro. 

Por esse motivo, o professor Francisco Tavares, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), classifica o projeto político-econômico para o Brasil como um “estado de sítio fiscal”, pois estão ocorrendo cortes até em direitos fundamentais. Segundo ele, as propostas constituem a mais intensa política de austeridade já registrada, por conta de três fatores: longevidade, espectro e rigidez.

Por longevidade, entende-se a proibição, por 20 anos, do aumento dos gastos públicos, já aprovada na “PEC do Teto”. Trata-se de uma medida, segundo professor Tavares, vista com ressalvas até pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), sob o argumento de que uma política de austeridade não pode ter longa duração, pois afeta até os governos posteriores, algo inaceitável do ponto de vista democrático. 

Quanto a “espectro”, há o fato de que a austeridade proposta inclui todos os gastos do Estado e não tem ressalvas sequer para eventuais crescimentos demográfico ou econômico. Por fim, a “rigidez” significa que as políticas de cortes propostas não são determinadas por decretos, por exemplo, que podem ser mais facilmente reversíveis, e sim por emendas à própria Constituição Federal. 

Para a Procuradora Federal Deborah Duprat, apesar de seguido o rito de aprovação, as propostas são contrárias à dimensão de direitos previstas na Constituição Federal de 1988. “O Estado da CF88 não é liberal, é um Estado social”, opinou. Segundo ela, mais que emendas ao texto constitucional, há um redirecionamento do papel do Estado. “Um modelo de Estado que quer se implantar com ares de constitucionalidade”, completou. 

O deputado federal Professor Israel Batista ressaltou a importância da defesa da organização do Estado como previsto na Constituição. O termo “burocracia” ganhou um tom negativo, mas na realidade significa uma profissionalização da gestão pública, do ingresso dos servidores às atividades do dia a dia. 

Segundo ele, o serviço público é estruturado no nível federal e em alguns estados, mas essa não é a realidade de todo o país. No Acre, por exemplo, mais de 80% dos professores são temporários, e sem prova de admissão. “Nesse país tão desigual nós nem sequer demos o passo correto em direção ao estabelecimento de um estado de burocracia formal. Onde ainda há patrimonialismo, a gente precisa dar um freio de arrumação”, argumentou.

Mobilização

O cenário, considerado grave pelos participantes do seminário, exige que haja um esforço de mobilização e informação. O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, ressaltou que há várias publicações que desmentem os mitos da propaganda oficial, mas que é necessário haver mobilização e divulgação. “Nada disso se sustenta se a gente se der o trabalho de ler uma publicação”, disse. 

Entre os materiais editados pelo Fonacate estão as cartilhasReforma administrativa do Governo Federal: contornos, mitos e alternativas“, “O lugar do funcionalismo Estadual e Municipal no Setor Público Nacional (1986-2017)” e “Reforma no Pacto Federativo – Implicações e Consequências das Proposições da PEC 188/2019“. 

A Articulação Nacional das Carreiras Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (ARCA) também lançou as publicaçõesMitos Liberais Acerca do Estado Brasileiro e Bases para um Serviço Público de QualidadeeErosão de Direitos: reformas neoliberais e assédio institucional” e “Desmonte do Estado e Subdesenvolvimento – riscos e desafios para as organizações as políticas públicas federais“. 

Rudinei Marques, porém, ressaltou a importância do trabalho das entidades. “Os dirigentes precisam voltar para as bases. É necessário ter contato e caminhar junto com servidores e trabalhadores. Reaprender a mobilizar”, opinou.

Para o deputado professor Israel, é preciso sair dos debates agressivos nas redes sociais e criar mobilizações efetivas, como as marcadas para o dia 18 de março, além de apostar no esclarecimento das pessoas. “Nós precisamos abrir canais de diálogos, nós precisamos mudar as ideias que já estão na cabeça das pessoas de maneira superficial”, concluiu.

Fotos: Romina Alencar, Matheus Carvalho e Marina Rodrigues

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