Brasil estaciona no ranking de qualidade de vida da ONU

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Valor Econômico – 21/03/2013

 

 

Apenas alguns dias após ter comemorado o fim da pobreza extrema no país, com a ampliação das transferências de recursos para os cadastrados no Bolsa Família, o governo amargou a decepção de não ter apresentado nenhum avanço em qualidade de vida, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A ONU divulgou na semana passada que o Brasil permaneceu em 85º lugar entre os 187 países avaliados no ranking de IDH de 2012, com um índice de 0,730 – a mesma posição de 2011, imediatamente à frente da Armênia, que tem IDH de 0,729, e atrás de Omã, com 0,731. O país com melhor IDH do ranking é a Noruega, com 0,955 – quanto mais perto de 1, melhor -; e os piores são Congo e Níger, empatados com 0,304.

O IDH de um país é calculado levando em conta a renda per capita, educação e expectativa de vida. O Brasil tem avançado bastante em renda e, especialmente, na redução da desigualdade, com a expansão das políticas de transferência de renda, aumento do salário mínimo e do emprego. Há cerca de um mês, o governo ampliou o dinheiro transferido aos 22 milhões de beneficiários do programa Bolsa Família de modo a acabar com o estado de extrema pobreza em que muitos beneficiários ainda viviam. Calcula-se que 2,5 milhões de pessoas incluídas no Bolsa Família tinham uma renda mensal até R$ 70, patamar definido pelo país como extrema pobreza. A partir deste mês, todos devem receber o suficiente para ultrapassar esse patamar. Agora o governo pretende localizar os outros 2,5 milhões de brasileiros que ainda vivem em extrema pobreza, mas nem estão cadastrados no Bolsa Família.

A própria ONU calcula que a renda per capita subiu 2,4% no Brasil, de US$ 9.911 para US$ 10.152, nos últimos três anos. Mas não houve quase nenhum progresso nos outros indicadores levados em conta na elaboração do IDH pela ONU. A expectativa de vida, relacionada ao investimento em saúde, educação alimentar e modo de vida, passou de 73,1 anos para 73,8 anos. E a educação ficou estagnada, com a escolaridade média da população acima de 25 anos de 7,2 anos e a expectativa de 14,2 anos de estudo para as crianças que estão entrando agora na escola.

O Brasil já esteve em posição melhor. Em 1990, quando a ONU começou a calcular o IDH, ficou em 51º lugar. Em 1996, caiu para 58º lugar; em 2005, para 63º lugar, em um ranking que incluia 175 países até 2010. O país está em posição bem inferior à de vizinhos da América Latina e ao próprio continente cujo IDH médio é de 0,741. O Chile, por exemplo, está no 40º lugar do ranking de 2012; a Argentina, no 45º, e o Uruguai, no 51º. O Peru, que passou o Brasil há dez anos, está no 77º lugar, com IDH de 0,741. Esses países apresentam taxas de abandono de ensino bem inferior aos 24,3% do Brasil, com 3% no Chile e 5% na Argentina (Valor, 15/3). E a expectativa de vida é mais elevada, de 76,1 anos na Argentina, 79,3 anos no Chile e 77,2 anos no Uruguai.

O governo brasileiro contra-atacou rapidamente. Acusou a ONU de usar dados antigos e criticou a metodologia utilizada. Ao avaliar a escolaridade, por exemplo, a ONU não leva em conta as crianças de cinco anos na pré-escola nem as classes de alfabetização, o que exclui 4,6 milhões de matrículas. Há quem defenda o uso da renda por amostragem de domicílio, que tem crescido mais do que o PIB per capita. Segundo o governo, o Brasil ganharia 20 posições caso o que chama de distorções fossem corrigidas.

Provavelmente esperando essa reação, a ONU elogiou o Brasil pelo avanço na redução da desigualdade. Chegou até mesmo a calcular o IDH usando números mais atualizados, com renda per capita de US$ 11.547, expectativa de vida de 74,1 anos, escolaridade média de 7,4 anos e 15,7 anos esperados de estudo. Com esses números, o IDH do Brasil seria de 0,754, o que colocaria o país em 69ª lugar, ao lado do Cazaquistão e à frente da Albânia.

A ONU, no entanto, não sanciona esse ranking, alegando com razão que as contas de todos os países precisam ser feitas na mesma base para que a comparação seja correta. Nem sempre os dados usados são realmente os mais atuais possíveis, mas a preocupação da ONU é que sejam comparáveis. Não é o caso, portanto, de espernear ou tentar fazer a conta do modo mais favorável possível para melhorar a posição do Brasil no ranking do IDH, mas sim de investir mais em educação e saúde.