TCU aponta patrimônio líquido negativo da União

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Autor(es): Por Ribamar Oliveira | De Brasília

O balanço geral da União de 2012 deixou de registrar o passivo atuarial do regime próprio de previdência dos servidores civis federais (RPPS) estimado em R$ 1,25 trilhão, segundo o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as contas do governo Dilma Rousseff daquele ano, produzido pelo ministro José Jorge, que foi o relator. “Caso essa obrigação fosse contabilizada, o patrimônio líquido da União [diferença entre ativos e passivos]

passaria de um valor positivo de R$ 761 bilhões para um valor negativo de R$ 490 bilhões”, disse Jorge, em seu parecer.

Essa projeção atuarial é a diferença entre as contribuições feitas pelos servidores e os benefícios a serem pagos ao longo dos anos, trazidos a valor presente. A União terá que arcar com esse déficit atuarial. Ao analisar a prestação de contas relativa a 2011, o TCU já tinha recomendado que a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) incluísse no balanço patrimonial da União o passivo atuarial do RPPS.

Isso não foi feito e, segundo o TCU, a STN informou que a contabilização das provisões matemáticas previdenciárias ainda necessitaria de estudos adicionais. Além disso, o Tesouro alegou que a solução poderia se dar mediante a criação, pela União, de órgão ou fundo para gerir o regime previdenciário de seus servidores civis, por meio da qual seria realizada a capitalização patrimonial do regime, e, consequentemente, o reconhecimento na contabilidade não só do passivo atuarial, mas também dos ativos que o capitalizarão.

As alegações da STN não foram aceitas. O TCU argumentou que já existe um número oficial de projeção atuarial do RPPS adotado pelo próprio governo federal e que é divulgado no projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) de cada ano. O TCU disse ainda que “não se vislumbram motivos para condicionar a contabilização do passivo atuarial à criação de um fundo ou órgão para gerir o RPPS”, pois as informações contábeis e financeiras da futura unidade gestora serão incorporadas às demonstrações financeiras consolidadas do governo federal, ou seja, ao Balanço Geral da União (BGU). “Portanto, em última instância, o passivo atuarial do RPPS é um passivo da União”, diz o relatório.

O ministro José Jorge observou que o registro desse passivo “melhora a qualidade das informações patrimoniais da União providas à sociedade”. Para ele, “não há motivos razoáveis para que a União evite reconhecer no balanço patrimonial essa obrigação, a exemplo do que fazem outros países e, até mesmo, Estados e municípios da federação, tais como a Bahia, o Rio de Janeiro e Pernambuco”. O ministro disse que essa situação de patrimônio líquido negativo “não é anormal em se tratando de governos nacionais” e citou os casos dos Estados Unidos e Reino Unido.

Uma das 41 recomendações do TCU ao governo é que o Ministério da Previdência Social e a STN contabilizem, ainda em 2013, as provisões matemáticas previdenciárias do RPPS, com dados de informação atuarial referente a 31 de dezembro de 2012, assim como as variações dessas provisões tão logo estejam concluídas as atualizações atuariais anuais.

Em seu relatório, o ministro do TCU identificou também aquela que pode ser mais uma manobra contábil do governo para alcançar a meta de superávit primário de 2012. Jorge informou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) distribuiu dividendos, no ano passado, no valor de R$ 1,3 bilhão em situações não previstas no seu estatuto social. Esses dividendos foram remetidos ao Tesouro, que os utilizou no superávit.

Por causa dessa prática, outra recomendação do TCU foi para que o BNDES somente proponha o pagamento de dividendos para resultados apurados nas demonstrações contábeis levantadas em 30 de junho e 31 dezembro de cada exercício, conforme dispõe o seu estatuto social.

As críticas mais contundentes de Jorge foram com relação ao cálculo do superávit primário da União. Ele disse que o cumprimento da meta fiscal hoje “é mera formalidade”. Segundo ele, “ninguém sabe qual foi mesmo o superávit primário [do ano passado]”. Para o ministro, o risco que o país corre é de essa questão fiscal ficar parecida com o índice de inflação divulgado oficialmente pela Argentina, onde os empresários não acreditam nos dados oficiais e procuram eles mesmos estimar o aumento dos preços. “Estamos observando perda de credibilidade [sobre os dados do superávit primário]”, afirmou.

No seu parecer, Jorge mostrou que um quarto (26,3%) do superávit primário de R$ 85 bilhões obtido pela União em 2012 partiu de receitas extraordinárias, no valor de R$ 22,4 bilhões. “Essas receitas não são efetivas, pois resultam de manobras contábeis”, disse, em entrevista após a apresentação de seu parecer.

Ele não quis dizer se o governo fez uma maquiagem nos dados do superávit. “Geralmente as mulheres fazem maquiagem e ficam mais bonitas”, afirmou. “Mas no caso do superávit, a situação ficou pior”. Para Jorge, essas manobras contábeis “não ajudam a melhorar a credibilidade desse indicador” pois “as pessoas não são ingênuas”. O ministro disse que ele próprio, que foi o relator das contas de 2012, não sabe qual foi o superávit real. “Sei apenas qual foi o oficial”.

O relator fez críticas também à execução orçamentária em 2012. Na função transporte, por exemplo, foram empenhados somente 65% dos valores orçamentários e liquidados 35%. No caso da transposição do rio São Francisco, Jorge informou que só 15% das obras do eixo Norte e 10% do eixo Leste foram executadas. Analisando o grau de execução do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2) na área de saneamento, ele disse que o balanço das 5.320 ações previstas para o fim do período, somente cerca de 10% estavam concluídas, encontrando-se aproximadamente 70% delas nos estágios “Em obra” ou “Em execução”.

O ministro recomendou a aprovação das contas da presidente Dilma Rousseff relativas a 2012 com 22 ressalvas e 41 recomendações. O parecer de Jorge foi aprovado pelos demais ministros do TCU por unanimidade.