Emendas contra a maquiagem
O governo federal poderá ser impedido de recorrer às mágicas da contabilidade criativa para fechar suas contas, no fim do próximo ano, se o Congresso aprovar as emendas ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) apresentadas pelo senador Pedro Taques (PDT-MT) e incluídas no relatório da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). A equipe econômica tem recorrido a esses truques, denunciados pela imprensa e condenados por especialistas, na tentativa de maquiar um balanço fiscal em deterioração. Só com artifícios desse tipo as autoridades conseguiram, no ano passado, apresentar suas contas como se houvessem economizado o suficiente para alcançar o prometido superávit primário. Esse é o dinheiro destinado ao pagamento dos juros da dívida pública ou de uma parte, pelo menos, desses encargos.
Neste ano, o governo tentou ampliar a bateria de truques, mas todos foram denunciados. É fácil de entender esse esforço, quando as autoridades tentam ao mesmo tempo manter a gastança e conceder benefícios fiscais a setores selecionados, enquanto a estagnação da economia dificulta a arrecadação de impostos e contribuições.
As desonerações deveriam, segundo o discurso oficial, favorecer a reativação dos negócios, mas os fatos até agora contrariaram essa expectativa. Em vez de reconhecer o fracasso de sua estratégia e mudar de rumo para reconquistar a confiança de empresários, investidores e consumidores, o governo decidiu insistir nos erros e nos truques já amplamente conhecidos e desmoralizados.
As propostas apresentadas pelo senador Pedro Taques e acatadas pelo relator Francisco Dornelles (PP-RJ) foram convertidas em emendas da comissão. Se incluídas no projeto da LDO, proibirão, entre outras manobras, a emissão de títulos para antecipação de recursos devidos por estatais ou fundos públicos ou para adiantar o recebimento de dividendos ou juros sobre o capital de empresas controladas pela União.
Com o desequilíbrio crescente de suas finanças, o governo se tornou mais dependente de dividendos pagos pelas estatais para fechar seu balanço. Além disso, passou a recorrer à antecipação de recursos, sacando contra o faturo e transferindo problemas para os exercícios seguintes, numa inegável exibição de irresponsabilidade.
Mas a contabilidade criativa é dinâmica. Neste ano o Ministério da Fazenda anunciou a, intenção de antecipar o desconto de recebíveis de Itaipu. Para converter esses ativos em dinheiro o Tesouro deveria emitir papéis da dívida pública. Diante das críticas, o governo recuou, mas sem reconhecer a inconveniência de seu plano.
A emissão de papéis para antecipação de dividendos é, segundo o senador Pedro Taques, um mecanismo para. “mascarar como receitas de um exercício” aquelas pertencentes, pelo princípio da competência, a um exercício seguinte. A prática da antecipação foi por ele descrita como “operação exótica”.
As inovações propostas pelo senador também obrigam o governo a incluir no Orçamento o valor dos títulos entregues pelo Tesouro a empresas estatais, bancos públicos e outras entidades federais. O Executivo deixa a essas entidades a tarefa de negociar esses títulos no mercado para convertê-los em dinheiro, mas, na prática, o Tesouro já se endividou ao emitir os papéis. A emenda forçará o governo a reconhecer esse endividamento.
O relatório da CAE é só um passo para as mudanças. Há outras etapas até a votação pelo plenário do Congresso. Depois, o projeto ainda será submetido à Presidência da República e estará sujeito a vetos. Será preciso apressar os processos, porque o Executivo deverá basear-se na LDO para concluir até o fim do mês a proposta do Orçamento-Geral da União para 2014.
Os congressistas deveriam ter aprovado a LDO há mais de um mês. Mas ainda poderão demonstrar um respeitável interesse pelas finanças públicas, se aprovarem as emendas contra a contabilidade criativa. Sem muito espaço para mágicas, talvez o governo seja forçado a cuidar de suas contas com um pouco mais de seriedade.