A estabilidade do servidor público não é um privilégio

226

Conforme avança no Congresso o debate sobre Reforma Administrativa, começam a aparecer na imprensa os posicionamentos que todos esperávamos. Um recente editorial da Folha de S. Paulo elogia de forma geral o esboço de reforma apresentado no grupo de trabalho no Congresso, mas ao mesmo tempo o critica em um ponto específico: a estabilidade.

Quem se surpreende? A Folha, como de resto toda a mídia corporativa do Brasil a seu tempo o fará, pediu em seu editorial a limitação da estabilidade dos servidores públicos. Diz a Folha: “deixa-se de lado (no texto apresentado) o alcance excessivo da estabilidade no funcionalismo no emprego, que faz do Brasil uma anomalia global e desincentiva a produtividade. A garantia deveria ser restrita a carreiras típicas de Estado que precisam estar a salvo de pressões e retaliações políticas, como juízes, procuradores, policiais e auditores”.

Ao menos passou-se a reconhecer que agentes públicos sofrem pressões, e muitas, para atender interesses particulares. Os inúmeros casos de corrupção que a mídia comercial adora expor para alimentar e entreter a indignação popular sempre têm uma contraparte privada, que raramente é exposta. Agora mesmo estamos observando o caso de um importante empresário do ramo de farmácias que está preso por fazer acordo com um agente público estadual para evadir impostos.

Mas isso não interessa à opinião fabricada nos grandes jornais. Os servidores públicos são em geral culpabilizados, seja por desvios de função, seja por uma consideração superficial sobre uma suposta improdutividade geral. Como é possível afirmar que somos improdutivos sem medir nossos desempenhos de acordo com o que a lei estabelece como nossas funções? Ainda assim, o achincalhe vem e vem forte.

Dito isto, vamos nos preparar para mais um ataque. Não é apenas o agente público de carreira típica de Estado que sofre pressão. Todos nós estamos sujeitos a ela, em qualquer esfera pública e qualquer atividade. Infelizmente, a sociedade brasileira como um todo acredita que pode pressionar um agente público a atender seu interesse particular.

É o caso de médicos pressionados a receitar determinado remédio que alguns consideram a salvação para certa nova doença. É o caso de professores pressionados a incluir ou retirar certos conteúdos de suas aulas porque determinados grupos creem que aquela informação deturpa a formação dos alunos. É o caso do pesquisador estatístico que é pressionado a fazer ou não fazer determinadas perguntas, baseado em critérios muitas vezes válidos apenas para certos grupos.

Se pensarmos a fundo, veremos que a pressão sempre vem. Então, é o caso de questionarmos: se a estabilidade da maioria dos servidores for retirada, não vamos ficar à mercê de interesses poderosos que facilmente começarão a “pedir nossas cabeças”? É muito fácil redigir um documento de demissão “a bem do serviço público” a pedido de um poderoso qualquer que exerce alguma influência sobre um agente público (muitas vezes indicado para cargos de confiança por suas afiliações políticas). Vejam o tamanho do risco que estamos correndo!

E, conosco, corre risco o Brasil. Bastaria que a Folha e os demais veículos de comunicação observassem o que acontece agora mesmo nos Estados Unidos. Lá, o presidente tem dado ordens de demissão de servidores com os quais não concorda, ou que produzem informações que não são de seu interesse. É esse modelo de Estado que a Folha e os demais veículos de mídia desejam para o Brasil?

É preciso racionalizar a discussão. A Reforma Administrativa pode vir e pode até mesmo ser uma contribuição para o aperfeiçoamento da atividade do Estado Brasileiro em seu serviço à sociedade. Mas, se por razões de consensos econômicos sempre a favor da austeridade sem fim, a ideia é colocar nossos pescoços na guilhotina à espera da lâmina, então não é possível conversar.