Planejar o futuro para garantir um Brasil soberano agora

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Aproxima-se o fatídico dia em que grande parte das exportações do Brasil ficarão marginalizadas de um dos maiores mercados consumidores do mundo. As consequências geopolíticas e domésticas para o país ainda são desconhecidas. Mas, já se pode sentir no ar que o tema da soberania nacional voltou com tudo ao debate social.

Trata-se de um enfoque que muitos consideravam antiquado até bem pouco tempo atrás. Ao choque da realidade, contudo, toda ilusão se desfaz: soberania é, sempre foi e continuará sendo um assunto de fundamental importância para o Brasil, este país periférico na ordem mundial mas com tamanho, recursos e geografia de país central.

Então, fica como saldo positivo deste anunciado trauma o retorno da discussão sobre soberania. Devemos aproveitar a ocasião para um novo processo de educação da sociedade a respeito das divisões internacionais, do papel real e potencial do Brasil, da dignidade do país e das condições que precisamos ter internamente para garanti-la.

Uma delas, dentre muitas outras, diz respeito ao desenvolvimento de ciência e tecnologia próprias. Claro, é impossível termos dominância em todos os ramos da tecnologia avançada, e quem acusa o discurso soberano de pretender isso está fazendo uma caricatura. Dito isto, é fato para lá de conhecido que o Brasil tem altos potenciais de desenvolvimento de tecnologias nacionais.

Em áreas como a aviação, já provamos que uma ação planejada e de longo prazo nos rendeu uma das maiores empresas mundiais de fabricação de aeronaves, a Embraer. Na tecnologia de exploração e produção de petróleo e gás, uma experiência de décadas comandada pelo Estado brasileiro nos tornou um país autossuficiente nestes recursos fósseis, com capacidade de implementar grandes cadeias produtivas associadas à Petrobras. Na área agrícola, hoje dispomos de segurança alimentar e nos tornamos uma potência exportadora, com direito a pesquisa nacional avançada em técnicas e manejos de produtividade do plantio, graças à estatal Embrapa. Nunca é demais lembrar que, se hoje dispomos de uma rede de produção e distribuição de eletricidade que alcança inteiramente os mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do país, é porque durante décadas o sistema elétrico público concentrado na Eletrobras deu conta desse recado.

Por detrás de todas essas realizações e estruturações brasileiras, sempre estiveram a presença do planejamento público e o trabalho de brasileiros bem formados que provaram sua capacidade de desenvolver soluções de engenharia, tecnologia e pesquisas. É muito fácil tomar todas essas estruturações como dadas. Não são e nunca foram, todas elas são fruto de muito trabalho de educação, ciência, desenvolvimento tecnológico e industrial, sob a coordenação de um Estado planejador.

Mais fácil ainda é ignorar que tais estruturações são, elas próprias, a tradução material de nossa soberania. Este é o ponto central. Nossa soberania não será defendida apenas com discursos bonitos e postagens em redes sociais. Soberania de um país continental com ambições a líder em diversos campos da vida econômica mundial só pode ser defendida pela preservação e ampliação de suas capacidades materiais. Aquelas apontadas acima e muitas outras.

Então é a hora de dar nomes aos bois: a defesa de cortes sistemáticos nas capacidades e investimentos do Estado é uma atitude contra a soberania econômica do Brasil. Limitar nosso debate e nossa agenda institucional e política à solução de uma suposta crise fiscal é um golpe à soberania do nosso país. Ceifar a atividade de planejamento é destruir nossa soberania, para entregá-la aos planos de negócios de empresas concessionárias e multinacionais em relação às quais nossa dependência apenas crescerá, se continuarmos por esse caminho.

Urge retomar a soberania do país em moldes concretamente reais, práticos e duradouros. Planejar o futuro para garantir um Brasil soberano agora. Com o desenvolvimento nacional no horizonte de todos.