Quando a iniciativa individual é servir o público

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Roseli Faria trouxe uma intensa experiência no setor privado para o serviço público, e tornou-se referência na defesa de um orçamento garantidor de direitos.

Orçamento público pode ser mais do que um instrumento de administração governamental. Hoje, já não é incomum pensar no orçamento público como um modo de reduzir desigualdades sociais históricas. Porém, como fazer para que a cada ano a redação e execução da peça orçamentárias reflita prioridades dos segmentos sociais mais vulneráveis? Este desafio, que está para além do plano conceitual, envolve um posicionamento político que, no caso de uma servidora pública da carreira de planejamento e orçamento, é questão de vida.

Roseli Faria tornou-se, graças a uma longa lista de iniciativas e serviços prestados, uma referência na causa do orçamento sensível a gênero, raça e outros grupos vulnerabilizados. Desde quando tomou posse como Analista de Planejamento e Orçamento, em 2011, ela se envolveu em diversos projetos dentro e fora de suas funções institucionais para mobilizar o tema junto às políticas públicas.

Um episódio ocorrido em 2015 foi um momento especial na trajetória de Roseli Faria no serviço público federal e, sem exagero, marcou um fato histórico. Meses antes, em 2014, o país acabara de aprovar a Lei de Cotas para concursos no serviço público. Porém, até ali nenhum edital havia sido publicado com as chamadas “comissões de heteroidentificação”. Sem elas, não havia como os candidatos disputarem com justiça as cotas às quais tinham direito pela nova lei. Participando da organização de um concurso para a carreira de APO, Roseli iniciou o movimento que veio a resultar no primeiro concurso público feito no Brasil com esta comissão. Ou seja, aquele foi o primeiro concurso público em que foram respeitadas as cotas previstas em lei.

“Os movimentos sociais estavam desconfortáveis com os concursos públicos que não tinham a comissão de heteroidentificação. Quando viram o mecanismo de focalização da política, que eles defendiam, sendo colocado em prática, gostaram. A partir dali, os movimentos procuraram o Ministério Público e a Defensoria Pública para propor que o governo federal criasse uma normativa para regulamentar isso para todos os concursos. O MP fez essa recomendação e eu fui convidada para coordenar  o grupo de negociação para construir a portaria”, conta Roseli.

Segundo ela, depois desse esforço pioneiro, a portaria foi editada pelo Ministério do Planejamento e assim mudou-se para sempre o modelo de acesso às carreiras de Estado para  pessoas pertencentes a grupos sociais vulnerabilizados. “Hoje até as universidades, que não são abrangidas pela Portaria, utilizam a normativa como referência para seus concursos”, diz ela. Não surpreende que, a partir desse momento, Roseli tenha sido convidada para dar sucessivas oficinas e capacitações sobre o tema.

Assim como não foi por menos que veio a presidir a Assecor, entre 2019 e 2020, dando prosseguimento a um esforço que ajudou a concretizar muitas inovações importantes, como o Prêmio Orçamento e Direitos, o grupo Elas no Orçamento e o livro “Gênero e Raça no Orçamento Público”.

Trajetória empreendedora

Diferentemente de muitos outros casos, Roseli entrou para o serviço público apenas aos 39 anos, tendo antes construído uma bem-sucedida carreira no setor privado, sempre trabalhando com planejamento financeiro. Formada em Ciências Econômicas, ela teve passagens por grandes empresas multinacionais como General Electric, Rhodia e Syngenta. Viveu fora do Brasil, assumiu funções executivas e, por cinco anos antes de prestar concurso, teve um negócio próprio.

Tudo isso lhe rendeu um acúmulo de experiências gerenciais e operacionais que ela, com orgulho, diz carregar para dentro de sua função pública. “Tenho uma visão de ser um pouco empreendedora no serviço público. Entrei assim, e não tenho aquela ideia weberiana de que minha função é essa e não posso fazer nada além disso. Sempre quis fazer muitas coisas, e trouxe isso do setor privado”, diz. 

De fato, a excelente mistura de iniciativa e coragem com espírito público e responsabilidade social ganha uma comprovação na experiência de Roseli Faria. Experiência esta que teve uma nova expressão nas eleições de 2022, quando ela se candidatou a deputada federal pelo DF, com a finalidade de pautar a discussão sobre orçamento e direitos. Teve pouco mais de 5 mil votos, e a satisfação de ter ajudado mais uma vez a consolidar o debate que lhe mobiliza.

Daqui para frente, Roseli já traçou seu plano de voo. Está de saída do Ministério da Justiça e, pela primeira vez, vai trabalhar na SOF. “Estando na SOF poderemos rediscutir o orçamento público. Acho possível fazer uma revisão de gastos equânime, para que tenhamos recursos nas prioridades que mais precisamos e que o orçamento não seja uma instrumento só fiscalista mas um instrumento constitucionalista, que ajude a alcançar os objetivos constitucionais de reduzir as desigualdades e eliminar a pobreza”.

Roseli traçou um caminho particular pela vida, e felizmente para o Brasil ela resolveu colocar os frutos dessa trajetória a serviço da sociedade. “Me encontrei no serviço público, mas não teria me encontrado se não fosse a experiência anterior. Não trocaria a vida que tive por uma carreira inteira no setor público. Mas eu adoro ser servidora pública, adoro ser parte da construção de um país”.