Sou Assecor: Conheça Márcio Gimene, ex-presidente da associação e editor da RBPO

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Nascido no Rio de Janeiro, Márcio Gimene é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Geografia também pela URFJ. É Analista de Planejamento e Orçamento desde 2004, editor da Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento (RBPO) desde 2011 e foi presidente da Assecor entre 2015 e 2016, quando negociou o último acordo salarial da categoria, válido por 4 anos, e coordenou o estudo Brasil 2035 – cenários para o desenvolvimento. Ex-diretor de financeiro e de planejamento, atualmente na 2º suplência da diretoria da Assecor, Gimene destaca a importância do trabalho coletivo: “Temos vários diretores e colegas sempre ajudando e participando das assembleias. Conseguimos construir uma associação mais coletiva e que não ficasse tão dependente da figura do presidente”, afirma Márcio Gimene.

Como foi o início da carreira?

Desde a época de faculdade, estudando economia brasileira, considero o planejamento governamental fundamental para a promoção do desenvolvimento do Brasil. Notei que enquanto o Ministério da Fazenda ficava mais preocupado em controlar os gastos públicos, no Ministério do Planejamento havia uma preocupação maior com a construção de um projeto de desenvolvimento para o País. Decidi fazer o concurso para o Ministério do Planejamento e mudar para Brasília com essa perspectiva de contribuir na construção desse projeto de desenvolvimento. Naquela época eu acreditava, e sigo acreditando, que esse projeto precisa estar ancorado em bases fiscais sólidas e ter instrumentos de financiamentos sustentáveis, mas não pode se limitar a um esforço de organização da ação administrativa para controlar gastos. O planejamento governamental precisa ser muito mais que isso! Passei no concurso e fui trabalhar na antiga Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Foi muito interessante porque o secretário na época era o Ariel Pares, que dava muita ênfase ao planejamento territorial. Acabei trabalhando nessa área e procurei me qualificar fazendo mestrado e doutorado em Geografia, sempre com essa perspectiva do planejamento como instrumento de promoção do desenvolvimento.

Como foi sua gestão como presidente da Assecor? Quais foram as principais conquistas?

Fiquei como presidente da Assecor no biênio 2015-2016. Nossa principal conquista foi o acordo salarial assinado em dezembro de 2015, para um período de 4 anos. A última parcela foi paga agora em 2019. Foi um momento importante porque o Governo Federal fez uma proposta de reajuste salarial que tinha uma possibilidade de acordo de 2 anos e outra de 4 anos. Muitas entidades estavam hesitando em aceitar o acordo de 4 anos. Nós dialogamos muito com os colegas da carreira e do Ciclo de Gestão. Fizemos várias assembleias e construímos juntos o entendimento de que as dificuldades financeiras que se avizinhavam recomendavam aceitarmos o acordo de 4 anos. Naquele momento tínhamos clareza que quem assinasse o acordo de 2 anos correria um risco grande de ficar com reajuste zero no terceiro e no quarto ano. Olhando para trás, acredito que hoje todos reconhecem que foi uma decisão acertada.

Outra iniciativa importante foi a ampliação de 30 para mais de 300 convênios com empresas de diversos setores, beneficiando os associados e seus dependentes.

Fizemos também dois seminários e diversos grupos de trabalho para aprofundar temas específicos. De um desses grupos saiu a proposta de decreto de regulamentação da carreira, que foi debatida e ajustada nas assembleias. Em seguida, enviamos formalmente a proposta para os órgãos gestores da carreira e colocamo-nos à disposição para buscarmos um entendimento. Alertamos que era um absurdo uma carreira criada em 1987 ainda não ter sido regulamentada. Essa omissão se reflete especialmente na precariedade da regulamentação dos instrumentos de capacitação e mobilidade, que acabam prejudicando a trajetória profissional dos técnicos e analistas de planejamento e orçamento. A carreira de EPPGG, por exemplo, foi criada em 1992 e regulamentada por decreto em 2004, com importantes avanços em termos de capacitação e mobilidade. Quando apresentamos a proposta de decreto, os dirigentes da SOF e da SPI se comprometeram a construírem um entendimento que viabilizasse a regulamentação da carreira. Esse item consta no Termo de Acordo que assinamos em 2015 com o Ministério do Planejamento e até agora nada. Os dirigentes nos diziam na época que existiam divergências de entendimento entre SOF e SPI que precisavam ser sanadas. Só que agora a SPI foi extinta e a SOF passou a ser a única secretaria responsável pela gestão da carreira. Se o problema era a falta de acordo com a SPI, espero que a direção da SOF, que é formada por colegas de carreira, trabalhe para que o decreto de regulamentação seja publicado o quanto antes.

E o estudo Brasil 2035?

Foi um trabalho que nasceu na Assecor e, por incrível que pareça, conseguimos mobilizar IPEA, Embrapa, BNDES, Petrobras, Fiocruz, Anatel, CGEE, Forças Armadas e diversos outros órgãos na construção de cenários de desenvolvimento para o Brasil. Em 2016 fizemos 20 oficinas, que mobilizaram 439 especialistas da administração pública, da academia e da sociedade civil em temas ligados às dimensões social, econômica, político-institucional e territorial, além das consultas Delphi, que mobilizaram cerca de 800 especialistas nesses temas. Foi muito gratificante perceber quanta gente qualificada temos no Brasil aguardando um chamado mais estruturado por parte do Governo Federal para contribuírem na construção de estratégias de longo prazo para o país. A metodologia de elaboração de cenários tem uma grande vantagem que é estimular as pessoas a construírem coletivamente diferentes visões de futuro. Quando se trabalha com diferentes cenários, as organizações são estimuladas a estruturar planos de contingência consistentes para lidar com os desafios que vão surgindo. Governos que só trabalham com uma visão de futuro tendem a não enxergar oportunidades e subestimar as dificuldades que podem surgir durante a caminhada. Quando a lógica da propaganda eleitoral e ideológica prevalece nos processos decisórios, a administração pública fica despreparada para lidar com ameaças e potencializar oportunidades. Minha expectativa é que esse estudo seja constantemente atualizado, expandindo seus horizontes temporais e sendo incorporado na construção de estratégias de desenvolvimento para o país.

Fale sobre a Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento (RBPO). Qual o papel dela e como funciona o seu trabalho como editor?

Em 2011, quando o Eduardo Rodrigues assumiu a presidência da Assecor, eu estava voltando do doutorado e sugeri criarmos uma revista para divulgar trabalhos sobre planejamento e orçamento. Ele deu todo o apoio necessário e me convidou para ser o editor. A ideia foi criar um espaço de socialização de conhecimentos sobre os temas com os quais trabalhamos. Temos na carreira pessoas muito qualificadas e dispostas a compartilhar seus conhecimentos. E fora da carreira temos também muita gente boa interessada nesses temas. Ter essa troca é fundamental para estarmos sempre nos atualizando e aperfeiçoando profissionalmente. Se ficarmos parados no tempo, só repetindo o que foi feito no passado, não conseguiremos evoluir. A revista já é avaliada pela CAPES e estamos mantendo a regularidade de publicação semestral. Ainda temos muitos colegas que não publicaram na revista, mas tenho certeza que estamos no caminho certo. Muitas pessoas que sequer sabiam da existência da nossa carreira ficaram conhecendo por meio da RBPO. Isso fortalece a carreira e é muito gratificante.

Para concluir, na sua opinião, qual o principal desafio que teremos pela frente na área de planejamento e orçamento?   

Se fizermos uma breve retrospectiva, a partir da década de 1930 houve um salto de qualidade na organização da ação governamental no Brasil. E nas décadas seguintes duas ideias se consolidaram: o sistema de planejamento e orçamento; e o tripé planejamento/orçamento-programa/desembolso financeiro. O sistema de planejamento e orçamento foi concebido na década de 1950, anunciado pelo Plano Trienal (1962), implementado pelo regime militar e continuado após a redemocratização do país, o que não deixa de ser surpreendente para os padrões brasileiros. O mesmo pode ser dito do tripé planejamento/orçamento-programa/desembolso financeiro, que também foi concebido na década de 1950, orientou a reforma administrativa de 1967 e teve continuidade a partir da Constituição de 1988, com o sistema PPA-LDO-LOA.

No entanto, enquanto no período de 1930 até o final da década de 1970 a ideia-força do planejamento era a promoção do desenvolvimento, a partir dos anos 80 passou a ser o controle de gastos. No contexto da redemocratização do país, o poder executivo federal teve parcela significativa das suas atribuições e prerrogativas esvaziadas. A ideia de planejamento como instrumento de promoção do desenvolvimento deu lugar ao planejamento como instrumento de controle de gastos. Primeiro a função planejamento foi politicamente esvaziada e depois ocorreu o mesmo com o orçamento-programa. Ao invés de definirmos, por meio do planejamento, qual rumo queremos para o país, para então organizarmos os meios necessários para implementar os projetos estruturantes, passamos a operar na lógica inversa:  o desembolso financeiro passou a comandar o orçamento; e o orçamento passou a comandar o planejamento.

Os governos passaram a concentrar suas ações em demonstrar que as contas públicas estavam em ordem, como se isso fosse suficiente para estimular os agentes privados a fazerem os investimentos que o Estado deixou de realizar. Evidentemente, o investimento privado é fundamental, como foi entre a década de 1930 e o final da década de 1970. Mas naquela época o Estado apontava para qual direção ia, oferecia estímulos e fazia investimentos, especialmente em infraestrutura e na indústria de base, criando condições favoráveis para o investimento privado. A partir da década de 80, sob o pretexto de controlar os gastos públicos, o Estado reduziu seus estímulos e investimentos diretos, tendo como resultado taxas de crescimento medíocres. Isso se reflete em baixa arrecadação tributária, que tem levado os governos a implementarem “ajustes fiscais” pelo lado da despesa, que por sua vez reduzem ainda mais a demanda agregada e a motivação dos agentes privados em investir, já que não podem contar com as compras governamentais nem com o aumento do poder aquisitivo das famílias. Ao que tudo indica, a década de 2010 apresentará crescimento menor do que a década de 80, que foi chamada de “década perdida”. Será que continuar cortando gastos é suficiente para resolver o problema?

Para reverter esse quadro considero fundamental retomarmos o protagonismo do planejamento como instrumento de promoção do desenvolvimento, o que inclui empoderá-lo politicamente para orientar a elaboração do orçamento-programa e dos cronogramas de desembolso financeiro. Só assim teremos condições de romper o círculo vicioso em que estamos. E isso não tem nada a ver com o debate raso que vemos muitas vezes, tentando contrapor Estado e iniciativa privada. Todos os países hoje considerados desenvolvidos tiveram e continuam tendo Estados fortes e atuantes estimulando o espírito empreendedor dos agentes privados e criando as condições necessárias para que eles possam competir com seus concorrentes internacionais.

Se tem um lado positivo na extinção do Ministério do Planejamento é a possibilidade de que a Presidência da República, a quem cabe orientar e coordenar os demais ministérios, volte a exercer o protagonismo na condução do planejamento governamental, como fizeram Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e os presidentes militares. O Ministério da Economia, pelo acúmulo de funções que concentrou, não terá condições de exercer esse papel para além do necessário, mas insuficiente, controle de gastos. Ou a Presidência da República assume de fato a coordenação do planejamento governamental, tendo como orientador maior a promoção do desenvolvimento, ou termos mais algumas décadas perdidas pela frente.