Entenda os 4 principais pontos técnicos do impeachment e os crimes de responsabilidade
O presidente da Câmara do Deputados, Eduardo Cunha, acertou com líderes dos partidos políticos que a votação do impeachment começará às 14h de domingo (17). A expectativa é a de que o resultado seja conhecido entre 21h e 22h. Apesar das pedaladas fiscais terem sido a irregularidade mais comentada, elas são apenas um dos quatro pontos principais que formam um conjunto harmônico de práticas utilizadas para maquiar as contas públicas. O Contas Abertas descreve a seguir as irregularidades e como estas se relacionam com os crimes de responsabilidade. 1) Não contingenciamento de despesas O governo federal iniciou 2014 desconsiderando o decreto de programação financeira e de contingenciamento. Com informações oficiais que recebeu do Ministério do Trabalho e Emprego sobre frustração de receitas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (R$ 5 bilhões) e sobre a necessidade de suplementação de despesas do seguro-desemprego (R$ 9 bilhões), em fevereiro, o governo teria que ter contingenciado R$ 14 bilhões a mais do que foi realizado. Dessa forma, o governo deveria ter bloqueado essas despesas. O não contingenciamento feriu o artigo 9o da Lei de Responsabilidade Fiscal. O artigo determina que, se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. 2) Pedaladas fiscais As pedaladas fiscais foram a parte financeira da maquiagem das contas públicas. Resumidamente, o que aconteceu a partir de 2013 e prosseguiu nos anos seguintes foi que os repasses do Tesouro para programas do governo gerenciados por bancos, como a Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES, foram atrasados em volumes expressivos, fazendo com que as instituições bancassem as despesas que eram do governo federal e não das entidades financeiras. A intenção foi mascarar e melhorar artificialmente o resultado fiscal. As operações de crédito firmadas com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil são vedadas pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece que é “proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”. Outro dispositivo da mesma legislação também citado no processo é o artigo 38 que veda expressamente a realização de crédito por antecipação, enquanto existir operação da mesma natureza não resgatada, sendo certo que coíbe esse tipo de operação no último ano de mandato do Presidente, do Governador ou do Prefeito Municipal. 3) Créditos suplementares A presidente Dilma editou uma série de decretos em 2014 e 2015 para abertura de crédito suplementar, sem a aprovação do Congresso. Os decretos só poderiam ter sido abertos por lei. Cabe ressaltar que é uma das funções principais do Congresso Nacional a discussão sobre a despesa pública. Conforme o processo de impeachment, o fato fere o artigo 85 da Constituição Federal que determina como crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e contra a lei orçamentária. Já o artigo 167 da Carta Magna estabelece ser vedada a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes. Os decretos também vão contra a lei nº 1.079, de 1950. Nos itens 4 e 6 do artigo 10, que dizem que são crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária e ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal. Na mesma lei, o item 2 do artigo 11 estabelece que é crime contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais; Já no que diz respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, além do artigo 9º, já citado, a abertura de créditos suplementares fere o artigo 8º, que diz que até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4o, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso. “Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso”, estabelece. 4) Omissão das pedaladas na dívida pública O impeachment também se baseia na omissão do Banco Central em contabilizar as pedaladas fiscais como dívida pública. Dessa forma, deixaram de ser contabilizados na dívida líquida do setor público R$ 40 bilhões. Ao longo do ano parecia que o governo estava caminhando para o cumprimento da meta fiscal, quando, na verdade, se tivessem contabilizado a dívida, o resultado oficial teria evidenciado um descumprimento da meta. A omissão do Banco Central permitiu a maquiagem final dos números públicos. O fato vai contra o estabelecido no artigo 5º da LRF, que diz que o projeto de lei orçamentária anual ser elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar conterá, em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas constantes. A omissão das pedaladas também fere a o item 7 do artigo 9º da lei nº 1.079, de 1950, que determina como crime de responsabilidade contra a probidade na administração o proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Assim como o item 4, do artigo 10 da legislação, que aponta como crime de responsabilidade contra a lei orçamentária, infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária. Outro lado A defesa do governo, representada pelo Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo argumenta que as “pedaladas” foram praticadas em governos anteriores a Dilma e também por governadores de Estado e prefeito. “Essas operações foram aceitas pelos tribunais de contas em todo o país por décadas”, disse. Segundo ele, houve mudança de jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) no final de 2015 e, por isso, o governo não deve ser punido por operações anteriores a isso. “Deverá a presidente responder por atos anteriores à mudança da jurisprudência do TCU?”, questionou retoricamente. Ele afirmou também que os decretos de abertura de crédito sem autorização do Congresso – citados na denúncia de impeachment – não elevaram os gastos do governo, apenas remanejaram despesas já autorizadas pelo Legislativo na Lei de Orçamento. Segundo Cardozo, o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) também usou decretos de suplementação orçamentária; “Deve sofrer impeachment? Não, porque são legais”. Ainda nesta semana, deve ser apresentado o relatório final da comissão de impeachment, para que depois o tema seja levado à votação na Casa. Ontem (14), a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar anular o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Congresso, o que não teve efeito. A AGU alegou que a denúncia contra Dilma por crime de responsabilidade teria “vícios que impedem a sua continuidade”. Na avaliação da AGU, o posicionamento do STF sobre impeachment não viola separação de poderes por entender que cabe ao Supremo ser o guardião da Constituição e, por consequência, exercer o controle sobre abusos procedimentais praticados pelo Legislativo e, especificamente, pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A AGU diz que foram ultrapassados os limites originais de denúncia aceita pela Câmara; que vícios violam princípios do processo legal de impeachment; e que o rito de processo de impeachment cerceou defesa de Dilma. Esse entendimento quanto ao processo do impeachment já tinha sido feito pelo governo.