Ajuste fiscal acirrou o debate entre parlamentares no primeiro semestre de 2015

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No primeiro semestre de 2015, os senadores analisaram propostas do Poder Executivo referentes ao ajuste fiscal das contas públicas, processo que terá prosseguimento a partir de agosto. Foram aprovadas três medidas provisórias, que geraram intensos debates entre os parlamentares e suscitaram várias visitas de ministros ao Congresso Nacional, entre eles Joaquim Levy, da Fazenda, e Nelson Barbosa, do Planejamento.

Previdência

MP 664/2014, aprovada na forma do PLV 4/2015 e convertida na Lei 13.135/2015, tornou mais rígidas as regras para concessão do auxílio-doença e da pensão por morte. Durante a votação, Câmara e Senado aprovaram emenda determinando a não aplicação do fator previdenciário para as aposentadorias quando a soma da idade do segurado com o tempo de contribuição for igual ou superior a 95, no caso de homem, ou 85, no de mulher.

A presidente da República, Dilma Rousseff, vetou a alteração e editou uma medida provisória (MP 676/2015) com previsão de progressividade na “fórmula 85/95”. Essa medida será examinada por comissão mista, ainda a ser instalada, para verificar o cumprimento dos critérios de admissibilidade. O veto presidencial terá de ser votado pelo Congresso.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disse à época que o relatório aprovado conseguiu eliminar as possibilidades de gerar qualquer tipo de prejuízo aos trabalhadores e que a proposta iria corrigir distorções e contribuir para o esforço do ajuste. Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) afirmou que votou a favor da medida “de cabeça erguida” por considerar que se trata de uma minirreforma da Previdência Social do Brasil.

O líder dos Democratas, senador Ronaldo Caiado (GO), disse que a alteração contida no texto enviado pelo Executivo deverá prejudicar as viúvas e os trabalhadores com problemas de saúde. O líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), também chamou o governo de “perdulário, ineficaz e ineficiente”, transferindo a conta dos seus erros para os trabalhadores. Ele criticou ainda a interferência do Estado nas relações familiares.

Trabalho

Outra MP aprovada foi a 665/2014 (PLV 3/2015), que se transformou na Lei 13.134/2015. Essa medida, que enfrentou forte oposição das centrais sindicais durante sua tramitação no Congresso, tornou mais rigorosas as regras para concessão do abono salarial, do seguro-desemprego e do seguro-defeso (concedido aos pescadores artesanais no período de proibição da pesca).

A aprovação da MP 665 no Senado foi marcada por muitas críticas ao texto, até mesmo entre alguns governistas. A sessão chegou a ser suspensa em razão de manifestações nas galerias. Grande parte das críticas foram direcionadas ao ministro Joaquim Levy. Os senadores também lembraram o fato de o governo basear o ajuste fiscal em medidas que prejudicam os trabalhadores, apesar de, na campanha eleitoral de 2014, a presidente ter afirmado que não faria isso.

Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), João Capiberibe (PSB-AP) e Cássio Cunha Lima alegaram que a mudança no abono salarial é inconstitucional. O principal argumento é que a Constituição garante explicitamente o pagamento de “um salário mínimo”, não de parte dele.

O senador José Agripino (DEM-RN) garantiu que, em caso de aprovação do texto, seu partido recorreria ao Supremo Tribunal Federal alegando a inconstitucionalidade da proposta. Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) afirmou que as medidas de ajuste fiscal do governo se baseiam em aumento da carga tributária e retirada de direitos dos trabalhadores.

Roberto Requião (PMDB-PR) criticou as medidas do ajuste fiscal e disse que o plano só tem sentido se o objetivo for desmoralizar governos de esquerda. Para ele, ao aprovar o texto, o Legislativo e o Executivo renunciam às suas prerrogativas, transferem suas funções ao mercado e realizam o ideal neoliberal do Estado mínimo.

Para Marcelo Crivella (PRB-RJ), a aprovação da medida não engrandece e nem dignifica o Senado. O senador se disse surpreso por ter de subir à tribuna e criticar um governo que sempre apoiou.

Ao sancionar a proposta, a presidente vetou o artigo que garantia o acesso dos assalariados rurais ao seguro-desemprego. O dispositivo previa o benefício ao trabalhador rural desempregado sem justa causa que comprovasse recebimento de salário nos seis meses anteriores à dispensa ou ter sido empregado nos últimos 15 meses.

Importados

Também foi aprovada pelo Congresso a MP 668/2015, que se transformou na Lei 13.137/2015. Com ela, foram elevados impostos sobre mercadorias importadas, incluindo cerveja, produtos farmacêuticos e cosméticos. Pelo texto aprovado, no geral, a alíquota do PIS-Pasep para a entrada de bens importados no Brasil passa de 1,65% para 2,1%. No caso da Cofins, sobe de 7,6% para 9,65%.

O objetivo da medida, segundo o governo, é aumentar a arrecadação e proteger a indústria nacional. A estimativa da equipe econômica é de que, com essa MP, a arrecadação anual com importações aumentará em R$ 1,19 bilhão a partir de 2016. Só neste ano, o impacto poderá ser R$ 694 milhões.

Na votação dessa medida, o Senado aprovou também dispositivo nela inserido pela Câmara dos Deputados que autoriza o Parlamento a celebrar parcerias público-privadas (PPPs), prerrogativa hoje exclusiva do Executivo. Pelas PPPs, a iniciativa privada arca com a obra e, em contrapartida, pode explorar serviços do empreendimento. O dispositivo é de interesse do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, porque viabiliza a construção de um shopping, assunto hoje em discussão naquela Casa.

O senador José Serra (PSDB-SP) considerou inusitado que, a partir da intenção governamental de criar uma isonomia entre importações e exportações, vote-se uma iniciativa que abriga 17 assuntos novos, constituindo “o maior carroção legislativo” que ele já viu.

Insurgindo-se contra o processo de deliberação, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse que, ao permitir a celebração de parcerias público-privadas com o Legislativo, o projeto negligenciou o desinteresse do eleitorado com a construção de um shopping na Câmara.

Aloysio Nunes Ferreira classificou a MP como uma “aberração em todos os pontos de vista”. Segundo o parlamentar, a MP possui vício de inconstitucionalidade pois trata de mais de uma matéria.

Dário Berger (PMDB-SC) cumprimentou o presidente do Senado, Renan Calheiros, pelo anúncio de que não mais permitirá que assuntos estranhos a medidas provisórias sejam contrabandeados para dentro do texto. Ele reconheceu que providências oportunistas acabam por injetar nas MPs “questões que não têm nenhum relacionamento com o objetivo principal da medida”.

Desonerações

Em agosto, o Senado deve votar a última medida do ajuste fiscal — o projeto de lei que reduz as desonerações na folha de pagamento. Já aprovado pelos deputados federais, o PL 863/2015, do Poder Executivo, aumenta as alíquotas incidentes sobre a receita bruta das empresas de 56 setores da economia.

Desde 2011, essas empresas foram autorizadas pelo governo a trocar a contribuição patronal para a Previdência, de 20% sobre a folha de pagamentos, por alíquotas de 1% e 2% sobre a receita bruta. Com a mudança pretendida pelo governo, pagariam 2,5% e 4,5%, respectivamente.

Os deputados aprovaram emendas com algumas alíquotas intermediárias, como 3% para os setores de call center e de transportes rodoviários, ferroviários e metroviários de passageiros, e de 1,5% para empresas jornalísticas, de rádio e TV. Pelo texto que veio da Câmara, também pagarão 1,5% sobre receita bruta as empresas de transportes de cargas, aéreo e marítimo de passageiros, operadoras de portos, e as que atuam na produção de calçados, roupas e ônibus. O setor de carnes, peixes, aves e derivados continua a ser tributado com 1% da receita bruta.

A proposta, que entrará na pauta do Senado, repete os termos da Medida Provisória (MP) 669/2015, devolvida pelo presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros, em 3 de março. Ao justificar a decisão, ele disse não considerar “um bom sinal” para a democracia e a estabilidade econômica o aumento de tributos por medida provisória. Com a devolução, a MP perdeu eficácia.