As eleições e a lógica do mercado financeiro

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“O sonho do mercado financeiro, diante do ‘risco’ de intervenção governamental, é garantir ‘autonomia e independência’ ao Banco Central, que faz o que os banqueiros determinam”

A lógica do mercado financeiro é minimizar os riscos e maximizar o retorno. Ou seja correr o menor risco possível e obter o maior lucro possível. Decisões de governos que corrijam distorções em indicadores macroeconômicos decorrentes de crises internacionais ou de especulações, que levem a oscilações na taxa de juros, de câmbio e nas ações de estatais em bolsa de valores, como fez o atual, contraria essa lógica do capitalismo sem risco.

Os bancos são multifacetados e operam para eles mesmos, para seus acionistas e para seus clientes e detestam atuar em ambiente instável ou sem previsibilidade, no qual não tenham controle da situação e que tenham que aumentar o risco para obter o mesmo retorno que obteriam sem qualquer risco num ambiente de não intervenção governamental.

A intervenção governamental, mesmo que seja para criar condições macroeconômicas boas para toda a sociedade, não é aceita pelo sistema financeiro, porque anula a capacidade que eles têm de manipular o mercado, os operadores e os analistas econômicos da grande mídia. Querem um jogo de cartas marcadas.

Assim, quando um banqueiro reclama da falta de previsibilidade, ele, na verdade, está dizendo que decisões de governo, ainda que para corrigir distorções e proteger a sociedade de especulação ou de sazonalidades, podem atrapalhar seu lucro. Não aceita nenhum tipo de interferência governamental, nem mesmo via concorrência, como ocorre com os bancos públicos.

Acontece que os governantes responsáveis, ainda que acusados de interferir no livre mercado, não podem ficar inertes e deixar que crises internacionais ou especulações de mercado desorganizem a economia nacional nem coloquem o país em recessão e comprometa os empregos e a renda, a exemplo do colapso mundial provocado pelo mercado financeiro em 2008.

No período do presidente Lula, por exemplo, ele não precisou intervir porque as medidas iniciais de seu governo buscavam resgatar a confiança do mercado e depois houve uma conjuntura internacional de crescimento. Mesmo não intervindo diretamente, Lula trocou um ministro da Fazenda monetarista ou alinhado com o mercado financeiro por um desenvolvimentista ou alinhado com o setor produtivo e isso foi fundamental para o desenvolvimento e para a distribuição de renda no país.

No governo da presidente Dilma, ela precisou intervir em função da conjuntura internacional, com um tipo de ativismo absolutamente necessário para um período de transição entre a crise e sua superação, especialmente para amenizar os efeitos perversos da crise sobre o país.

Alguns exemplos ilustram bem isto. 

No caso do setor elétrico, em que as concessões estavam para vencer, o natural seria a renovação, mas como o governo fez exigências que os concessionários não quiseram topar, houve novas licitações para efeito de concessão e isso contrariou a lógica anterior, que era sempre de renovação, na qual o mercado havia apostado suas fichas. Perdeu.

No caso do câmbio, o mercado apostava numa tendência duradoura de valorização constante do real, o que foi alterado quando o governo interveio para evitar uma queda excessiva da taxa de câmbio que comprometesse ainda mais a competitividade das exportações brasileiras. Isto impôs perdas ao segmento mais especulativo do mercado financeiro.

No caso das ações da Petrobras, apesar do valor estratégico do Pré-Sal, o mercado financeiro está preocupado apenas com o retorno a curto prazo, desconsiderando os efeitos estruturais que os investimentos da empresa possam ter sobre o País e os benefícios que a política provisória e transitório do preço dos combustíveis tem para o consumidor e a economia. Diferentemente do governo, para o mercado financeiro o seu lucro e o do acionista está acima do bem-estar das pessoas e do interesse do País.

A influência ou o controle do mercado financeiro sobre a macroeconomia faz do governo seu refém. Se analisarmos os últimos 20 anos, vamos constatar que nos oito do governo FHC e nos dois primeiros do governo Lula, quem mandou na agenda governamental foi o mercado financeiro. A troca do ministro da fazenda, há dez anos atrás, reorientou as prioridades do governo e o dinheiro dos impostos, que antes eram majoritariamente destinados ao pagamento de juros das dívidas interna e externa, e foi direcionado, em maior montante, para os programas sociais e para a ofertar crédito barato ao setor produtivo, criando as condições para a geração de emprego e para o aumento da renda.

O sonho do mercado financeiro, diante do “risco” de intervenção governamental, é garantir “autonomia e independência” ao Banco Central, que faz o que os banqueiros determinam, enquanto o povo, que elege o presidente da República e o Congresso Nacional, quer que o BC seja independente e autônomo em relação ao mercado financeiro privado. Olhemos quem são e o que fazem os conselheiros dos candidatos à Presidência da República porque é isso que está em jogo nestas eleições.

 

(*) Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, Analista Político e Diretor de Documentação do Diap.