Mais uma ameaça fiscal

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Autor(es): Martha Beck

A aprovação pelo Congresso de regra que desobriga a União de cobrir o esforço não realizado por estados e municípios para o superávit primário (economia para o pagamento de juros) foi vista por especialistas como mais um sinal negativo para o equilíbrio das contas públicas. Eles afirmam que o novo mecanismo, que já vale para 2013, vai fazer com que o superávit fique num patamar inferior a 2% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) e atrapalhe o plano de manter em queda a relação dívida/PIB, um dos indicadores mais utilizados pelo mercado para avaliar a solvência de um país e muito acompanhado pelas agências de classificação de risco.

Segundo o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e especialista em contas públicas Mansueto Almeida, todo o mercado já previa que o governo não teria condições de entregar um primário de 2,3% do PIB em 2013, como chegou a prometer o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Isso porque tanto a União quanto estados e municípios estão com um desempenho fiscal bem abaixo do esperado. Assim, se o governo federal tivesse que compensar o que os governos regionais fizerem a menos, a conta poderia não fechar.

— O governo jogou a toalha e reconheceu que não teria condições de fechar as contas sem o mecanismo aprovado pelo Congresso — disse.

ANALISTAS PREVEESVS SUPERÁVIT MENOR EM 2014 O economista do Ipea estima que o superávit primário do setor público em 2013 ficará em 1,7% do PIB. No período de 12 meses acumulados até setembro, o esforço fiscal dos governos regionais está em R$ 19,5 bilhões, ou 0,42% do PIB, sendo que a meta oficial desses entes para o ano é de R$ 48 bilhões, ou 1,03% do PIB. Para Mansueto, esse desempenho deve se manter até o fim do ano, o que significa que ficará faltando o equivalente a 0,61% para se chegar aos 2,3% do PIB.

Já Felipe Salto, da consultoria Tendências, estima que o resultado de 2013 será um pouco maior, de 1,8% do PIB, sendo a União responsável por 1,35% e estados e municípios, 0,45%. Para 2014, Mansueto e Salto preveem um cenário mais negativo. Apostam que o crescimento da economia continuará baixo, o que se refletirá na arrecadação, enquanto as despesas continuarão em alta. Mansueto lembrou que, em anos eleitorais, as despesas públicas crescem.

Pelos cálculos da Tendências, o governo voltará a usar o mecanismo pelo qual não precisa compensar o primário menor de estados e municípios, deixando o superávit do ano que vem em 1,3% do PIB. A meta de 2014 foi fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em R$ 167,3 bilhões, ou 3,1% do PIB, sendo que 2,15% são de responsabilidade da União e 0,95% de estados e municípios.

Segundo Mansueto, o governo está se afastando da meta principal do superávit primário, que é reduzir a relação dívida/PIB. Segundo ele, o esforço fiscal necessário para manter esse indicador em queda gira em torno de 2% do PIB. Essa também é a avaliação de Salto.

— A lógica de se ter uma meta de superávit primário é a redução da relação dívida/PIB ao longo do tempo. Mas se você não garante o esforço que se compromete a fazer, fica em risco o objetivo de manter a dívida cadente— afirma Salto.

O fraco desempenho fiscal dos governos regionais é resultado de ação implementada pelo próprio governo federal. Para turbinar a economia, estados e municípios foram estimulados a gastar mais com investimentos. Em 2012, por exemplo, o Ministério da Fazenda revisou o Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal (PAF) de 21 estados, permitindo que aumentassem seus gastos em nada menos que R$ 58,3 bilhões.

A decisão da equipe econômica de retirar o apoio ao projeto de lei que muda os indexadores de dívidas de estados e municípios com a União para melhorar a imagem da política fiscal terá pouco efeito sobre o mercado. Especialistas avaliam que a maior preocupação dos analistas está no comportamento do superávit primário, que está abaixo da meta.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, disse ontem que espera que a renegociação da dívida de estados e municípios com a União se resolva o mais rapidamente possível:

— Pagamos 16%, 17% de juros ao ano contra uma Selic (taxa básica de juros) de 10%.

Colaboraram Cristiane Jungblute Germano Oliveira