As vozes do agentes de cidadania:: Jorge Maranhão

319

Publicado no Diário do Comércio de São Paulo em 03/10/2013

Por força do trabalho de comentarista de rádio sou obrigado a monitorar, para além da “voz das ruas” das manifestações de indignação da sociedade, a própria “voz dos cidadãos” mais conscientes e com propostas concretas, mas diluídas ou sem o merecido espaço na mídia de massa. Com a exceção das publicações especializadas, veículos impressos de entidades e blogs pessoais, são propostas relevantes de construção de políticas públicas que carecem de maior visibilidade. Até mesmo para que não se viva na desesperança de achar que nada está acontecendo para além da massacrante cobertura ampla, geral e irrestrita da maracutaia cotidiana de nossa classe política. Um dos últimos casos que comentei, para dar um bom exemplo, foi a petição por uma tarifa mais barata no transporte público disparada neste mês nas redes sociais, em resposta ao tema mais frequentado nos cartazes e gritos das ruas: a questão do transporte público, caro demais e de péssima qualidade na grande maioria das cidades.

A proposta vem de membros da rede Nossa São Paulo e consiste na transferência de federal para municipal a arrecadação e gestão da Cide – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, um imposto sobre a gasolina, com o compromisso, é claro, de que 100% sejam revertidos para o setor de mobilidade urbana de cada cidade. Uma proposta de cidadania que revela uma consciência crítica do modelo atual “dos grandes campeões”, de premiar megaempresas ou setores inteiros da economia com subsídios que não correspondem às prioridades dos cidadãos, são prejudiciais à competitividade de mercado, à qualidade final de produtos e serviços entregues aos cidadãos consumidores e à arrecadação dos cofres públicos.

Assim como esta recente proposta, centenas de outras tenho comentado nos boletins de rádio e nas redes sociais da Voz do Cidadão nos últimos dez anos, o que me levou a decisão de reuni-las num único canal para ver se ganham mais espaço no noticiário das grandes redes de comunicação, única maneira que temos de fazer prevalecer na atividade política nacional a cultura de participação social da cidadania diante da cultura de impunidade e transgressão predominantes no nosso imaginário social.

Para tanto, contamos com os seguintes efeitos para um programa de mídia que denominamos de Agentes da Cidadania. Primeiro: a estruturação da informação percebida, segundo uma lei da filosofia que diz que a estrutura é mais do que a soma das partes. Juntar num único espaço, mesmo que virtual, centenas de propostas de cidadãos atuantes, resulta mais do que na diversidade dos autores e seus depoimentos, mas na possibilidade de uma mudança radical na relação política entre governantes e governados. Segundo: a superação da relação meramente reivindicatória de melhores serviços públicos – a voz das ruas – para uma relação de participação na própria formulação e execução das políticas públicas, a voz dos cidadãos, abre uma nova perspectiva política. A percepção gradual de que os primeiros depoimentos, de vozes isoladas “dos que detêm competência para discorrer sobre temas específicos” vão se transformando “num conjunto de cidadãos articulados numa ação política maior de participação e controle social das políticas públicas”. Terceiro: o próprio resgate da uma elite, cuja função política é a verdadeira essência da democracia, onde só se supera a oclocracia do demos com a intermediação dos cidadãos atuantes que devem conduzir a res publica, o que chamamos de verdadeiros agentes de cidadania! Por último, atingiremos o efeito moral e cívico que supera o dilema paralisante de uma educação formal desqualificada, um jornalismo que dilui as propostas ao sabor do curso aleatório do noticiário, e o entretenimento que reproduz a corrupção dos valores predominante no nosso imaginário social. Para tanto, a proposta do programa de Agentes de Cidadania é dirigir para o espaço das redes sociais e dos intervalos das grandes mídias uma campanha perene de resgate de uma nova cultura política!

E para os céticos e cínicos de plantão, saibam que não estou a inventar a roda. Tais campanhas contam com modelos tão vitoriosos quanto históricos na transformação de uma cultura política de elites de países setentrionais, como o “Crime doesn’t pay” americano, por iniciativa da Fox Corporation na década de 40; a “Democratic Life” da Citizenship Foundation inglesa na década passada; e mesmo a “No votes por colores o discursos; vota por las mejores propuestas” da Televisa mexicana. O que vai de encontro a uma forte convicção que tenho desenvolvido nos últimos anos no campo da estratégia de argumentação e cujo princípio básico enuncia a mídia, não apenas como simples reprodutora dos fenômenos do imaginário social, mas também como coprodutora dos mesmos. Pois sabemos que o fato narrado não se limita à realidade, uma vez que este se compõe também e necessariamente dos fenômenos do imaginário social, ou, como alguns mais pedantes chamam, do Zeitgeist. Para tanto, a campanha de propostas dos Agentes de Cidadania deve seguir o roteiro de resgatar da mentalidade política dominante os valores morais da tradição clássica, que são muito mais fortes nas crenças da opinião pública do que pretende qualquer romântico progressista.

Para além dos valores morais, que devem fundar a atividade política, devemos resgatar crenças, uma vez que somos sempre movidos e comovidos pela esperança de alcançar uma “condição melhor” do que aquela na qual vivemos. Para além da informação sobre a realidade e o impacto da notícia, devemos ter em mente que também se muda uma cultura pela lembrança e identificação frequente das tradições, uma vez que é inimaginável o convívio social pacífico sem as mesmas. Se a narrativa do jornalismo quer dominar a razão pelo fato e a o entretenimento quer dominar a emoção pela imagem, o intervalo entre os dois pode ser esta “condição melhor” da esperança. Para tanto, a campanha deve ter a perenidade de uma crença e não apenas a fugacidade publicitária; e que pretenda convencer pelas propostas assim como persuadir pelos sujeitos. As propostas, por seu turno, devem ser simples e de alternativas objetivas de políticas públicas feitas, não por governantes apenas, mas por cidadãos atuantes que se encontram, mesmo que no espaço virtual da mídia, mas com faculdade de se reunir em assembleias presenciais. Para além de cidadãos capazes e conscientes, o efeito será o da convicção de que todos podem influir no espaço e nas políticas públicas, a despeito da notoriedade distanciada dada a celebridades e políticos pela mídia de massa. Como verdadeiros agentes de cidadania fazendo suas propostas, em pouco tempo nos cairá a ficha de que qualquer cidadão pode participar desde que tenha propostas claras e se engaje nas mesmas, predicados de uma verdadeira elite.

* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. Email: jorge@avozdocidadao.com.br