Situação fiscal ‘não é tão ruim como parece’, afirma Velloso

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O corte de R$ 10 bilhões adicionais no Orçamento deste ano, anunciado no início da semana pelo governo, é muito precário. Se o objetivo era recuperar a credibilidade da política fiscal, seria preciso atacar diretamente o que a havia minado, “jurando de pés juntos, com aval do papa, que não se faria mais contabilidade criativa”, afirmou ao Valor Raul Velloso, consultor e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério Planejamento (governo Sarney).

Para Velloso, talvez o governo precisasse dar um sinal mais forte, como o corte de ministérios desnecessários, “uns dez”, na avaliação dele. “Poderiam cortar o Ministério do Planejamento e transferir setores ainda relevantes, como Orçamento e gestão de pessoal, para a Fazenda”, sugere.

A situação fiscal, no entanto, “não é ruim como parece”, diz o consultor, ao lembrar que o a dívida líquida caiu para 35% do Produto Interno Bruto (PIB). “É dito por aí que o Brasil está um caos, mas não é bem assim”. O grande perigo, afirma, é que as agências de risco retirem o grau de investimento do país, embora o economista não acredite que isso vá acontecer, ao menos não antes das eleições.

“Eles sabem que nenhum político se suicida [em referência a cortes expressivos de gastos em período pré-eleitoral], então vão esperar para ver o que o novo governo vai anunciar para tomar a decisão”.

Ao olhar para a atividade econômica, Velloso diz que é a oferta que está esfriando o crescimento e isso decorre do modelo pró-consumo, “que vê que a maneira mais fácil de ser atendido é via importações”. A saída seria elevar a produtividade da indústria, em particular, por meio de investimentos, o que não seria fácil. “Construir várias experiências iguais a da Embraer leva tempo”, afirma.

Segundo Velloso, uma indústria que está com problemas de lucratividade não irá investir. Para ele, os serviços poderiam dar início a um ciclo mais virtuoso, por meio de investimentos em infraestrutura, mas essa última sofre com a interferência do governo. “O governo está mostrando muito empenho nas concessões de uns tempos para cá, mas está fazendo errado, por isso vai demorar”, afirma.

A primeira condição a ser alterada, diz Velloso, é a taxa de retorno dos projetos. Segundo ele, o aumento da taxa em rodovias de 6,5% para 7,2% não é suficiente, principalmente diante da piora do risco Brasil. Em ferrovias, emenda o economista, a situação é ainda mais dramática, pois são basicamente projetos novos em “terras nunca dantes navegadas”, com questões ambientais e geológicas envolvidas.

A taxa, segundo Velloso, precisaria incluir um adicional de risco, devido à piora da situação externa, chegando a 12% ou mais. Outro entrave às concessões é o que chama de “inversão de fases”, com o leilão colocado antes do processo de qualificação, o que torna difícil desqualificar alguém que se mostre despreparado depois.

Assim, as notícias não são boas: não deve acontecer quase nada em termos de investimento produtivo em concessões antes de 2015. “Ou seja, ou o governo muda, ou não vai assistir ao começo do processo de investimentos das concessões que estão aí”, diz.

Para Velloso, com “ajuda” do câmbio, a inflação vai seguir beirando o teto da meta. “Estamos patinando sobre um gelo bem fininho, e caminhar para os 4,5% com eleições pela frente é impossível”, afirma. A subida do dólar pode, porém, compensar a perda da lucratividade da indústria, causada pelo aumento dos salários maior do que a produtividade. “Mas para o empresário olhar esse aumento do câmbio como algo que vai melhorar, tem que imaginar que isso vai se manter.”

Com relação à taxa de juros, talvez seja necessário um aumento maior do que o sinalizado, especialmente em razão do risco de contágio do câmbio aos preços. “Mas duvido que isso seja feito. Em ano eleitoral [o governo] vai subir [a taxa Selic] o mínimo possível”.

Sobre a expectativa para a expansão da atividade, Velloso diz que fica com a média das opiniões. “As contas que fiz para o PIB potencial me dizem que ele não cresce mais do que 3% nunca. Então, é daí para baixo.”