O grande engodo

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Autor(es): Edward Amadeo

Em 1999, a despeito da perda de popularidade, Fernando Henrique Cardoso encaminhou as reformas para estabilizar a economia – enfrentando feroz oposição do Partido dos Trabalhadores.

Três anos depois os bancos públicos estavam capitalizados, as dívidas estaduais sanadas, a credibilidade do Tesouro ancorada na Lei de Responsabilidade Fiscal, o sistema previdenciário equilibrado, as agências regulatórias instaladas, o mercado de capitais renovado e o sistema financeiro sólido. Esta a herança de FHC – a maldita!

Em continuação, a “agenda FHC” incluiria redobrar o foco na educação, fomentar a poupança, fazer a reforma trabalhista, aplainar a estrutura tributária, promover a integração à economia global, investir na infraestrutura e modernizar a administração pública.

Essa não era a agenda do PT que previa a criação do “mercado de massas” e a redução da “vulnerabilidade externa” valorizando o salário mínimo, reduzindo os juros, ampliando o crédito, depreciando o Real e fazendo políticas setoriais.

É importante enfatizar as diferenças para que não se pense que a situação atual é obra do acaso ou da conjuntura internacional.

No início do governo Lula, a agenda do PT ficou em segundo plano. A inflação chegou a 3% em 2006 e ele foi reeleito.

Porém, desde a crise de 2008 o governo adotou fórmula do PT que costuma produzir euforia momentânea seguida de longa depressão. Porque incorre no erro de manipular os preços como se a economia não tivesse leis de funcionamento. Ou como se a inflação não acomodasse as inconsistências da política econômica.

A inconsistência da política do PT está na ênfase no consumo e no desprezo pela eficiência.

Com o boom das commodities recebemos um bônus do exterior. Esse bônus foi dirigido ao consumo via aumento do salário mínimo, uma infinidade de bolsas, incentivos tributários e do incentivo ao crédito. A desoneração da folha não passou de um subsídio ao emprego, quando a nossa carência era de investimentos. A atração de investimentos privados para a infraestrutura se choca com a ideologia ou os interesses do PT.

A dívida pública cresceu com as inúmeras capitalizações do BNDES, que subsidiou os oligopólios e não conseguiu aumentar o investimento. O BB e a CEF solaparam os concorrentes privados e os consumidores agora estão atolados em dívidas. A Petrobras subsidiou a gasolina e o TCU agora diz que ela está em condições precárias. O Tesouro distribuiu isenções a torto e a direito, e a situação fiscal começa a ser um risco.

Resultado, o emprego e o consumo dispararam, o investimento e a produtividade ficaram para trás. Não contente, o Banco Central cortou juros e o governo incentivou a depreciação cambial. Astros alinhados para a volta da inflação. Esse foi o grande engodo a que fomos submetidos.

A “maldição das commodities” se repetiu. Diante da molezinha da renda vinda de fora, os líderes populistas distribuem benesses, cooptam empresários, expandem o crédito para as massas e usam a apreciação cambial para controlar a inflação.

Esse modelo se esgotou e o governo não tem mais munição. O ajuste daqui para frente produzirá queda do salário, elevação dos juros e depreciação do Real.

Esse ajuste não resultará de uma opção conservadora de quem estiver no Palácio do Planalto, mas sim uma consequência inevitável da política econômica do PT. Caberá a ele ou a ela administrar essa bendita herança.