Piora das contas públicas exige austeridade maior

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Autor(es): Sílvio Ribas

Crescimento do deficit nominal para R$ 132 bilhões até abril mostra que é preciso segurar os gastos da União

 

A piora das contas públicas tornou o controle das despesas correntes da União ainda mais importante para a estabilidade econômica. Como ocorre todo ano, o governo definiu o corte do Orçamento de 2013 com a renovada promessa de atacar gastos de custeio e de preservar programas sociais e investimentos. Mas especialistas acreditam que a gastança continuará driblando medidas de austeridade, sobretudo em razão do ingresso de mais servidores, com ou sem concurso, no serviço federal. Para piorar, o contingenciamento de R$ 28 bilhões, anunciado no mês passado, ficou bem abaixo dos mais de R$ 50 bilhões retidos em 2011 e em 2012.

“O custeio da máquina pública deveria ser o aspecto mais fácil de controlar do Orçamento, por exigir apenas bom senso e atenção aos desperdícios. Na prática, contudo, acaba valendo a premissa de que despesas correntes também são as mais elásticas e suscetíveis à pressão política, com nomeações, viagens e consumo da burocracia”, analisa Felipe Salto, da Consultoria Tendências. Com isso, o viés expansionista deve continuar via gastos de custeio, apesar do discurso oficial noutra direção. Se se considerar que 2014 é ano eleitoral, as despesas devem se acelerar, e só o combate à inflação e a necessidade de investir podem conter a curva.

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, informou que apenas os ministérios de Educação, Saúde, Desenvolvimento Social e Ciência e Tecnologia ficariam de fora do ajuste orçamentário. Mas o desafio de colocar freio nos gastos cresce, mês a mês, com os números do deficit fiscal. A queda de receita, combinada com inflação e o próprio aumento dos gastos, já levou o resultado nominal negativo das contas públicas para R$ 132,2 bilhões nos 12 meses encerrados em abril. Esse foi o segundo pior montante da história, e o dinheiro desperdiçado poderia ter reduzido os rombos já agravados pela dívida e pela Previdência Social.

Mas controlar despesas parece não encontrar respaldo real ou exemplos consistentes das principais autoridades. Levantamento da organização não governamental Contas Abertas, dedicada ao acompanhamento dos gastos públicos, revela que a Presidência da República acabou de encomendar 1,5 mil pilhas alcalinas do tipo palito e outras 12,3 mil AAA. Na mesma semana, o carrinho de compras do Palácio do Planalto reservou R$ 5,3 mil para comprar seis mil barrinhas de cereal. Outros R$ 13 mil foram destinados apenas a biscoitos e mais R$ 38,1 mil para café, cappuccino, chá verde e água de coco.

Apesar dos constrangimentos com o uso de cartões corporativos, que levaram ao afastamento de ministros, as despesas continuam sem controle. Servidores federais podem fazer pagamentos e saques sem precisar de autorização prévia, e as notas desses cartões somaram R$ 59,6 milhões ano passado, cerca de R$ 1 milhão a mais que no ano anterior. O Contas Abertas estima que, em 10 anos, o governo destinou meio bilhão de reais para esse canal, que deveria custear só despesas excepcionais ou de pequeno valor.

“Gastos discricionários do governo são quase sempre desnecessários, pois não se tem noção de sua real validade”, observa José Matias-Pereira, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB). Ele receia que o modelo de governança adotado pelo Estado brasileiro, complexo e cheio de equívocos, continue conspirando contra o equilíbrio fiscal. A principal razão é que o discurso de austeridade acaba sendo inócuo pelas atitudes tomadas. “A Presidência precisa dar o exemplo de como gastar, apoiar uma nova cultura para ter o que remanejar para investir em infraestrutura”, acrescenta.

Desde que os cartões foram criados, em agosto de 2001, seu maior gasto anual (R$ 80 milhões) se deu em 2010, último ano da gestão Lula e da campanha para sua sucessão. Apesar disso, foi em 2012 que a Presidência liderou os gastos com o cartão: R$ 17,7 milhões de um total de R$ 59,6 milhões, sendo quase tudo classificado como despesa secreta. A ONG ressalta que não há, em princípio, ilegalidade ou irregularidade neste tipo de procedimento, mas uma maior publicidade dele reforçaria a transparência e o controle social.
Auditoria

O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, na última quarta-feira, relatório e parecer prévio das contas do segundo ano do governo da presidente Dilma Rousseff. Ao todo, foram emitidas 22 ressalvas, relacionadas a aspectos de conformidade da receita pública, da execução do orçamento e das demonstrações contábeis. Segundo o relator, ministro José Jorge, as recomendações visam “aprimorar a boa gestão dos recursos públicos e a assegurar a transparência em benefício da sociedade”.

Para Newton Marques, do Conselho Federal de Economia (Cofecon), a preocupação do governo deveria ser a aceleração dos investimentos com o combate a vícios do Estado com gastos inúteis e constantes desperdícios, “valores que pesam no bolso do contribuinte e tiram competitividade do país”.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em vigor desde 2000, buscava o equilíbrio permanente das contas públicas, para consolidar a estabilidade de preços e permitir a retomada do desenvolvimento sustentável. Mas o processo orçamentário continua imperfeito e ainda esbarra na vinculação de 80% das receitas da União. Renato Poltronieri, advogado especializado em gestão pública, vê grandes avanços com a LRF, mas acha que ela precisa ser aperfeiçoada com “instrumentos para garantir a responsabilização de gestores pela má qualidade dos gastos”.

» Disputa por espaço
As dificuldades para controlar gastos com telefonia, luz, manutenção predial e viagens são apenas parte dos sintomas de desperdício de recursos na União. A criação de novos ministérios e secretarias deixou evidente outro problema, o da acomodação de pessoal acrescido. Tem ocorrido uma expansão da administração direta para fora da Esplanada dos Ministérios, em imóveis disputados com grandes empresas privadas. Exemplo disso é o prédio da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) localizado no setor de indústrias gráficas de Brasília. O espaço, onde deveria funcionar um novo centro de fiscalização do órgão, serve basicamente de arquivo morto para milhares de documentos, particularmente multas, aplicadas por anos pelo DNER. Funcionários não têm expediente diário no local, que exibe sinais de abandono.