Metas para 2015

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Que tarefas tem pela frente o Brasil que emergirá das próximas eleições? Hoje o nome provável para suceder a Dilma Rousseff é ela própria, mas, como se sabe e comentei aqui na semana passada, a situação não está fácil nem para a presidente, e é por isso que Eduardo Campos se movimenta para concorrer ao Planalto em 2014. Mas há desafios que qualquer candidato e, sobretudo, o que for eleito terá pela frente.

Não falo de desafios carimbados à direita ou à esquerda. É usual a direita apresentar o que ela quer como sendo imperativo da realidade; assim foi com a privatização, assim hoje é quando afirma ser necessário o amargo remédio de desemprego e juros elevados. Mas não falo de tarefas como estas, porque são meios, não fins; e o que está diante do Brasil é uma escolha mais profunda, mais enraizada. Resumo-a em três pontos.

O primeiro: é preciso que a economia tenha um novo fôlego, mostrando-se criativa, indo além da indústria, e não aquém dela. O verdadeiro problema da desindustrialização é que, nos últimos dois ou três séculos – ou mais, desde o mercantilismo – a manufatura foi o grande distintivo do desenvolvimento econômico, da prosperidade social e da hegemonia política. Ter indústrias proporcionava uma riqueza mais consistente do que a extração de minérios ou a agropecuária. O Terceiro Mundo exportava matéria-prima, o Primeiro, manufaturados. Aliás, o tratado de Methuen, em 1707, pelo qual a Inglaterra isentou o vinho do Porto de impostos de importação, enquanto Portugal liberava a entrada de manufaturados ingleses, é o exemplo clássico, segundo Celso Furtado, de vantagem para o primeiro país e ruína para o segundo. Hoje, já não está claro se é a indústria clássica que assegura a primazia econômica. Não parece mais óbvio que baste agregar valor-trabalho ao que a natureza nos fornece, seja mineral, vegetal ou animal; cada vez se tornou prioritário agregar trabalho que represente inteligência. E esta pode ser de vários tipos – a ciência e a tecnologia são exemplos claros, mas a arte e a cultura também o são. Em algum momento, se acrescentará ainda a inteligência emocional.

Desafios para quem for presidente em 2015

Por isso, o primeiro ponto é ter uma economia na qual a criação, em seus vários sentidos, se faça presente. Criação, no caso, representa valor econômico. Mas representa também uma qualidade humana saliente. Uma economia na qual a criação se destaque será uma economia mais humana. Daí, que ela não precise apenas de ciência, tecnologia e inovação: precisará de arte, de cultura e, repito, inteligência do lado direito do cérebro, o lado responsável pelo pensamento simbólico e, justamente, a criatividade.

O segundo imperativo é que a inclusão social destes anos se consolide graças à educação, à cultura e à atividade física. A inclusão social foi a grande conquista, no Brasil e no mundo, destes últimos anos. A miséria recuou em quase toda a parte. Mas, talvez porque nossos tempos são do consumo, – nosso templo é o consumo -, as pessoas cresceram mais como consumidoras do que espiritualmente. Está na hora de substituir a obsolescência programada dos bens de consumo por algo mais consistente, que a pessoa não perca nunca, porque se tornou parte dela: o que aprendemos, seja em currículos mais organizados (a educação), seja de maneira livre e desordenada (a cultura); o que garantimos de saúde e bem-estar para nosso corpo. Isso implicará mudar conteúdos e formas da educação, mas, sobretudo, tornar mais inteligente – ao mesmo tempo que prazeroso – o lazer. Animadores culturais, monitores esportivos devem se tornar profissões atraentes, assim como – de novo – o professor. Em vez de construir grandes estádios, teremos equipamentos conversíveis, nas horas de lazer (de manhã cedo, depois das 18h, nos fins de semana), em espaços que deem saúde e alegria ao corpo e à mente.

O terceiro: é preciso que novos atores entrem na política, um dos setores mais envelhecidos de nossa sociedade. É necessária uma ampla renovação de quem está no poder. Não se trata apenas de substituir uma geração por outra, o que se faz naturalmente – mas de fazer que gente cheia de energia, provavelmente testada em ações de responsabilidade ou empreendedorismo sociais, ou em movimentos também sociais, entre em cena e altere o panorama das decisões no país. Os líderes que se destaquem nas ações afirmativas, bem como os jovens empresários preocupados com o futuro do país, não poderão ser apolíticos. Parte deles, pelo menos, deve renovar os Parlamentos, com uma cultura da cooperação e uma crença, atestada em seus atos, de que é possível melhorar constantemente as coisas.

Esta agenda vai além do reparo e do conserto. Ela é propositiva. Por isso não toquei na corrupção. É imperativo vencê-la. Mas a corrupção é crime, é atraso, é erro. Porque extinguir uma coisa ruim é uma tarefa, ainda que necessária, negativa. Preferi frisar as tarefas criativas, afirmativas. A verdadeira agenda nossa, a dos fins, é a de propostas novas, que modifiquem o mundo, indo além – nos três casos – da lamentação sobre o atraso brasileiro. Porque estas três propostas são novas, também, em termos mundiais.

Nada indica que os rivais de Dilma possam ir melhor do que ela nesses tópicos, mas também há poucos sinais de que ela consiga ir longe aqui. Por isso, estas metas nem sei se são para 2015. Vão demorar. Mas, quanto mais cedo nos convencermos da riqueza delas, melhor será. Quanto mais cedo, melhor. Mas mudanças assim grandes demandam uma alteração nas consciências. Ganharemos o futuro quando mudarmos a economia, as cabeças e corpos das pessoas e a política.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras