Economistas veem menor coordenação entre Fazenda e BC

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Autor(es): Por Tainara Machado e Flavia Lima

No momento em que o Banco Central eleva o tom em relação às preocupações com a inflação e dá início a um novo ciclo de aperto monetário, o governo afirma que ainda não há clara trajetória de recuperação da atividade e que, portanto, os gastos governamentais devem ser no sentido de estimular a economia. As declarações feitas pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, ao Valor, foram interpretadas por economistas como sinal de que há menor coordenação entre a autoridade monetária e o Ministério da Fazenda, o que pode sobrecarregar a política monetária, afirmam.

Em entrevista ao Valor, Augustin disse que os gastos públicos passarão a ser guiados pela economia, e não mais pela relação dívida pública/PIB. Para especialistas em contas públicas, a política fiscal ajustada aos ciclos econômicos é uma boa ideia, já adotada por outros países, mas é preciso que o governo explicite quais são os parâmetros a serem seguidos.

Augustin disse ainda que neste momento, em que ainda não há clara trajetória de recuperação da economia, a política fiscal tende a ser no sentido de estimular a atividade. O Banco Central, por outro lado, deu início a um ciclo de alta da taxa básica de juros e afirmou, na ata da última reunião do Copom, que “informações recentes apontam para a retomada do investimento e para uma trajetória de crescimento, no horizonte relevante, mais alinhada com o crescimento potencial”. Para Fernando Rocha, sócio da JGP Gestão de Recursos, as posições distintas passam a impressão de maior descoordenação entre o BC e o Ministério da Fazenda, já que o primeiro estaria preocupado com a inflação e o segundo, com a atividade.

Ao tentar ativar a demanda por meio da política fiscal, o governo, diz Rocha, tende a neutralizar o efeito da política monetária sobre a atividade, o que poderia exigir uma alta maior da Selic para que a inflação caminhe para o centro da meta. O quadro é distinto do observado em 2011. Naquele momento, a arrecadação forte permitiu que o governo elevasse a meta de superávit primário em R$ 10 bilhões, o que abriu espaço para que, em agosto, o BC reduzisse juros.

Além disso, as declarações de Augustin, afirma o economista Mansueto Almeida, parecem enviar sinais confusos ao BC. Segundo o especialista em contas públicas, as declarações parecem ser mais um esforço do governo de “enganar o Banco Central”, no sentido de induzir a autoridade monetária a manter a expectativa de superávit primário de 3,1% do PIB em seu horizonte de juros.

Para Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, a política fiscal irá puxar para um lado e a monetária, para o outro. “A história de que a política fiscal é anticíclica só serve para diminuir superávit primário. Só temos política anticíclica quando o crescimento é baixo.”

Para que a política fiscal seja ajustável aos ciclos econômicos, é preciso estimar o PIB potencial, um conceito controverso que estabelece a capacidade de crescimento de um país sem gerar pressões inflacionárias. Para o BC, esse número está em torno de 3%. “Não é possível ter um PIB potencial para a política fiscal e outro para a monetária”, diz José Roberto Afonso, especialista em contas públicas.

Em sua opinião, a Lei de Responsabilidade Fiscal sempre permitiu que o governo fizesse política fiscal anticíclica, já que as metas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias podem ser alteradas, desde que o governo preste contas para o Congresso. “O problema está na prática. Nesse caso, a definição do PIB potencial e do cenário macroeconômico são cruciais”. Estabelecer uma meta, mesmo que menor do que os atuais 3,1% do PIB, também é melhor do que uma banda, diz. Mansueto concorda. “Eu prefiro trabalhar com uma meta menor do que com um número que pode ser 0,9% ou 3,1%, e que ninguém sabe qual é”.

Marcio Garcia, pesquisador visitante na Sloan School of Management do MIT, também avalia que Augustin dá a entender que quer uma política fiscal ajustada ao ciclo econômico, mas não se compromete com números.

Para Francisco Luiz Lopreato, professor do Instituto de Economia da Unicamp, as declarações do secretário do Tesouro Nacional apenas explicitam o que já vinha sendo feito e conferem maior transparência à comunicação do governo. “Agora podemos nos preocupar com uma política de caráter mais anticíclico, já que a economia está com nível de crescimento muito baixo”, diz. “Se a economia voltar a crescer, podemos pisar um pouco no freio”.