Proibido polemizar

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Autor(es): Antonio Machado

 

Da ata do Banco Central, com a sua visão sobre o curso da inflação e a taxa de juro básica, ao mapa do emprego acompanhado pelo IBGE, passando pelo furor legislativo do Congresso, parte por demanda do governo Dilma Rousseff, o cenário sugere, mesmo tratando de temas diversos, um roteiro único até 2015, dividido em três capítulos.

O primeiro se refere à situação corrente na economia, visando não muito mais que evitar surpresas ruins, e à terraplanagem do terreno que leve Dilma a se reeleger em outubro de 2014, de preferência sem segundo turno. Isso implica dificultar a vida dos desafiantes. O segundo capítulo consiste em manter o empresário sintonizado com os programas idealizados pelo governo, como as novas concessões de logística, até para evitar defecções para candidaturas rivais à da presidente. O terceiro é o resultado dos dois primeiros capítulos, que provavelmente vai exigir um forte ajuste da política econômica.

Com pequenas variações devidas à imprevisibilidade das conjunturas econômica e política, esse enredo está traçado e se torna cada vez mais afluente das campanhas eleitorais e da percepção de desenlace da sucessão presidencial. Com Dilma será uma coisa, com Aécio Neves ou Eduardo Campos ou Marina Silva, seus possíveis desafiantes, será outra. O quanto diferente depende da evolução dos principais eixos da economia, como o emprego, o salário real, função da inflação, que modela a Selic e, ao fazê-la, influencia a taxa cambial etc.

Da conjuntura econômica não saem sinais nem promissores nem também preocupantes, sempre considerando a possibilidade de ajustes depois de 2014 e a premissa de o BC intervir com mão mais dura conforme as circunstâncias. A ata que traz as razões de a Selic passar de 7,25% a 7,50%, na semana passada, vai nesta direção. Aliviada do conteúdo analítico, o que ela indica é que o BC direcionou o foco para 2014, sinalizando uma estratégia gradualista de distensão da inflação à meta central (4,5%) — se não em 2014, também não para as calendas. Este prognóstico encontra o desafio, destacado na ata, do ritmo da atividade, que tende a ser superior ao de 2012, em meio ao mercado de trabalho ainda apertado, embora menos pressionado que antes.

Emprego define limites
Os embaraços criados pelo governo, ainda que os negue, à condução da política monetária, para que seja apertada apenas o necessário (no limite, para dar uma satisfação ao mercado financeiro), tem nos indicadores do emprego o seu plano de voo. O entorno eleitoral de Dilma aceita tudo, menos o enfraquecimento do mercado de trabalho.

Como a economia não tem a plasticidade vislumbrada pelo marketing político, as distorções vazam em algum lugar. No caso, na inflação como variável de ajuste de decisões adiadas, com alguma apreciação cambial no papel de coadjuvante da Selic. É o que se vê nos dados de desemprego. A taxa nas seis regiões metropolitanas pesquisadas subiu de 5,6% a 5,7% entre fevereiro e março, o que, abatidos os efeitos sazonais, correspondeu a uma queda de 5,4% para 5,2%.

Salário real enfraquece
A taxa de desemprego foi a menor para o mês de março desde 2009. Mas a renda real (abatida a inflação) continuou perdendo pique. O salário médio real atingiu R$ 1.855,40, desacelerando o crescimento para 0,6% comparado a 2012. Em fevereiro, o aumento fora de 2,4%. A inflação e o nível mais fraco da PEA (população economicamente ativa) e da taxa de ocupação explicam a evolução menos pressionada da renda real, antecipada pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) de março, ao mostrar queda do salário de ingresso. A própria evolução nominal dos salários tem sido cadente, vindo de aumento de 11,5% em novembro último para 7,3% em março. É como se o estoque de emprego estivesse adequado ao ritmo da atividade, o que, se não insinua demissões, não garante expansão. Não é confortável à população, mas pode ser suficiente para Dilma chegar bem à eleição.

Estilo molda o resultado
O grau de bloqueios estruturais alcançados pela economia, somado à agenda eleitoral, faz supor que projetos como a nova partilha entre os estados do ICMS, que avança no Senado, e a medida provisória dos portos, aprovada no Congresso, tenham sido os últimos de expressão na atual legislatura. Já será uma vitória a publicação dos editais das concessões de transportes, assim como a retomada dos leilões de blocos de prospecção de petróleo, suspensos desde 2007. As ambições foram podadas pela falta de consenso para reformas de fundo e pelo jeito centralizador de Dilma, sobretudo em mudanças regulatórias e na modelagem da infraestrutura. Muita coisa está ficando para 2015.

As cores de Lula e Dilma
Já faz parte da intenção de reduzir riscos eleitorais, tirando da oposição motivos para críticas, a meia volta da política promovida pelo BNDES de apoio à internacionalização da empresa nacional e de adensamento das cadeias produtivas. Eram diretrizes do governo Lula que não vestiram bem no figurino de Dilma, embora ela também fosse entusiasta desses projetos enquanto ministra. Mudaram os estilos. O de Lula sugere que poderia estar criando startups, se começasse hoje, enquanto Dilma prestaria concurso público. Lula sempre teve gosto por fazer: a CUT, o PT, o Instituto Cidadania, onde conheceu Dilma como uma técnica aplicada. Quando ela passou a controlar os projetos do governo, o ímpeto empreendedor de Lula foi contido. O zelo com taxas de retorno, planilhas em Power Point, acinzentou o que Lula coloria. Pode ser por acaso, mas empresários próximos a ele bancaram grandes projetos, talvez levados pelo seu entusiasmo, e estão em dificuldade. Faltou mesclar a racionalidade de um com a eloquência do outro. Os problemas com ele eram marolinhas. Com ela, são o que significam, problemas.