Editorial – Inflação coloca o governo em uma situação delicada

272

Valor Econômico – 12/04/2013

 

 

O Banco Central perdeu a batalha das expectativas, e a essa altura será muito difícil que consiga evitar um aumento dos juros, mesmo contra sua vontade. A menos que o BC diga com clareza aonde pretende chegar, a coordenação das expectativas, que é função do sistema de metas e responsabilidade da autoridade monetária, se desfará. Quando a inflação, que havia deixado de ser um assunto urgente para vastas camadas da população, reaparece em programas populares, com o tomate como símbolo de preços em descontrole, algo mudou para pior.

O ativismo do governo prejudicou a comunicação do BC e afetou sua credibilidade. No afã de obter crescimento a qualquer custo, o governo repetiu a fórmula de mais incentivos à demanda, usada na crise de 2008, de forma piorada e com menor efeito. Os superávits primários caíram, no governo central e nos Estados, e desonerações tributárias corretas, mas envoltas em embalagens erradas – a de que serviriam de instrumento anti-inflacionário -, estimulam o consumo e tornam a atitude acomodatícia do BC insustentável.

Desgaste e confusão ocorrem em um ambiente em que a inflação dificilmente fechará o ano acima do teto de 6,5%, está longe do descontrole e em queda. O espantalho do aumento de juros volta à tona quando na maior parte dos países emergentes relevantes e no mundo desenvolvido não se fala nisso.

Em momentos em que a inflação foi mais incisiva do que hoje – chegou a 7,31% em setembro de 2011 em 12 meses -, o BC manteve o sangue-frio. Em junho de 2012, ela havia caído para 4,9%, mesmo depois de o BC já ter invertido o aperto monetário e começado a cortar os juros com os preços ainda em alta, a partir da reunião de agosto de 2011. O BC seguiu cortando os juros mesmo quando a inflação voltou a subir na virada do primeiro semestre de 2012 e prosseguiu em alta. Em retrospecto, pode ter sido um erro (e a dúvida no caso é substantiva) ter feito novas reduções na Selic depois de julho. A ação de jogar os juros ao menor nível viável possível foi corajosa e relevante, mas seu ritmo, veloz em demasia.

Os mercados, no entanto, não estão fazendo muito barulho por nada. Existe um sistema de metas de inflação em vigor. Ele foi sabiamente flexibilizado para acomodar choques, e levar os preços ao centro da meta tornou-se uma tarefa que se prolonga além do ano-calendário. Essa atitude do BC é plenamente defensável. Deixa de ser quando o próprio BC em seus cenários de referência aponta um IPCA de 5,4% até no primeiro trimestre de 2015. Dessa forma, por cinco anos consecutivos a inflação seguirá bem distante do centro da meta. Não só a convergência não será linear, como o BC apontou uma vez, enigmaticamente, como não haverá convergência alguma. A tarefa da autoridade monetária parece ter se desviado para a de impedir o estouro da meta. A inflação claramente mudou de patamar.

O BC pode julgar que uma política de acomodação ainda é válida, a exemplo de países que têm inflação maior, como Turquia (7,3%) ou Rússia (7,2%), e estão crescendo. Tem bons argumentos para isso. Subir os juros pressionará o real de novo em direção à valorização, já que os rendimentos oferecidos pelo Brasil ainda são atraentes em um ambiente de juro zero nos países desenvolvidos. A economia não deslanchou, apesar de todos os estímulos, e cresceu 0,9% no ano passado. A recuperação ainda é incerta. O principal impulso agora deveria vir dos investimentos, e elevar o custo de capital não é a coisa certa a fazer. A inadimplência dos consumidores, que foi recorde, pode voltar a subir junto com o custo do dinheiro.

Pode argumentar também com números para adiar uma decisão ruim. A inflação está em queda, deve prosseguir assim em abril, o índice de dispersão de preços recuou um pouco, os preços dos serviços tiveram freio importante, e os dos alimentos, ainda vilões, se comportarão melhor com a chegada da supersafra. Pode dizer ainda, com razão, que BC nenhum usa juros para derrubar preço de tomates.

Mas o BC não pode deixar de sinalizar uma ação. É certo que sua responsabilidade pela inflação não é exclusiva. A política fiscal, claramente expansionista, está fora do lugar. O governo precisaria corrigi-la, cumprindo a meta cheia de superávit ou até mesmo elevando-a, para dar um sinal forte de que, de fato, quer combater a inflação. Sem isso, o BC terá de indicar em termos claros em que condições os juros iniciarão a trajetória de alta.