O balanço do BNDES

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O Estado de S. Paulo – 01/04/2013

 

 

O uso de manobras  contábeis pelo governo federal para a obtenção de um superávit primário mais aceitável já se tornou costumeiro, mas esse “tru­que” pode estar sendo levado longe demais. No ano passado, para cum­prir a meta reduzida de 2,38% do PIB – a meta anterior era de 3,1% -, o governo utilizou R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano e se apropriou ante­cipadamente de parte dos R$ 28 bi­lhões de dividendos das empresas es­tatais, alegando que, para isso, há previsão legal. Pode ser, mas, no ca­so dos dividendos, eles devem ser pagos de acordo com os lucros apura­dos de forma confiável, o que não ocorreu, pelo menos com relação ao balanço do BNDES do segundo se­mestre de 2012.

Na ânsia de fazer a conta chegar  ao resultado prometido, o Conselho Monetário Nacional, às vésperas da virada do ano, permitiu que o BNDES lançasse em seu balanço um quarto das ações que possuía em carteira sem atualizar o seu va­lor de referência, isto é, sem levar em conta as grandes oscilações das cotações desses papéis no mercado. Isso inflou o lucro do BNDES em R$ 2,38 bilhões, o que foi útil para o governo, mas pode ter consequên­cias negativas para a instituição. Es­sa prática lança dúvidas sobre a cor­reção de seu balanço e pode limitar a sua capacidade de captar recursos no exterior. Com o mercado exter­no menos acessível, o Tesouro Na­cional poderá ser obrigado a repas­sar um volume ainda maior de recur­sos para a instituição, que no ano passado recebeu nada menos do que R$ 55 bilhões.

O truque não passou despercebi­do pela auditora independente, que, em seu parecer sobre o balanço do banco, fez constar uma ressalva so­bre essa forma de contabilização de­sigual do valor das ações. De fato, os lançamentos deveriam obedecer a um só critério, de acordo com os pa­drões contábeis internacionalmente aceitos, isto é, todas as ações que re­presentam participação do banco em outras empresas deveriam ser lançadas pelo seu valor de mercado no momento de fechamento do ba­lanço, independentemente da oscila­ção de suas cotações. A abertura de exceção para que um quarto dos papeis seja contabilizado de outra maneira é inteiramente discrepante das melhores práticas contábeis.

Não por acaso, as ações contabili­zadas de “forma especial” são as mais afetadas pela desvalorização das cotações na Bovespa. Com a du­plicidade de critérios, o banco pode pagar mais dividendos ao Tesouro, engordando o superávit primário.

Essas circunstâncias foram leva­das em conta pela agência de classi­ficação de risco Moody”s, que rebai­xou a nota do BNDES e do BNDES-Par em dois degraus, passando-a de A3 para Baa2. Como motivos para sua decisão, a Moody”s mencionou a “deterioração da qualidade de cré­dito intrínseca e, particularmente, o enfraquecimento de suas posi­ções de capital de nível 1”. Essas ra­zões podem ser discutíveis, mas ine­gavelmente criam um obstáculo a tomada de crédito no mercado in­ternacional.

Procurado pela reportagem do Es­tado, o BNDES, por meio de sua as- sessoria de imprensa, negou que a ressalva feita pela auditora indepen­dente represente “qualquer impedi­mento para a emissão externa”, O banco afirma ainda ser o “emissor brasileiro com melhores condições de custos, após o governo brasilei­ro”. Como o BNDES não realizou qualquer operação no mercado ex­terno em 2012, não dá para ter com­provação prática disso.

Fontes do mercado e do próprio governo admitem que a maquiagem do balanço torna mais difícil a colo­cação de papéis do BNDES. Além dis­so, há restrições regulamentares que investidores institucionais, como fundos de pensão, devem obedecer para a aquisição de papéis de institui­ções cujos resultados sejam coloca­dos em dúvida.

Ainda que os obstáculos venham a ser superados em negociações com investidores externos, o custo para o banco tende a ser maior. O mais lamentável em tudo isso é a li­geireza e a irresponsabilidade com que o governo agiu para obter um re­sultado a curto prazo, desprezando normas fundamentais para assegu­rar a credibilidade do balanço de uma instituição do porte e da impor­tância do BNDES.