Investimento crescerá 3% em 2013 e vai puxar atividade, prevê Pessôa

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Autor(es): Por Ligia Guimarães | De São Paulo

Valor Econômico – 11/03/2013

 

 

O ano de 2013 será de aceleração do investimento e de retomada da atividade econômica, na avaliação do doutor em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador-associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Samuel Pessôa. Se as previsões do pesquisador se confirmarem, o investimento terá alta média de 3% na comparação anual, o que levará o Produto Interno Bruto (PIB) a um ritmo de crescimento na casa de 0,85% por trimestre e expansão próxima de 2,8% no ano. “Os 4% ao ano que nós crescemos na época do governo Lula ficaram para trás”, afirma o economista.

Depois de recuar 4%, e ser a principal influência negativa da economia em 2012, o investimento passará a protagonista do avanço da atividade. Na visão de Pessôa, o principal bloqueio aos aportes do setor privado no ano passado foi a incerteza gerada pelas várias mudanças de regras aplicadas pelo governo em segmentos muito específicos, no que ele chama de “microgerenciamento de política econômica”.

“O empresário não sabe mais se vai ter IPI ou não, se vai ter alíquota de importação maior ou não; fica difícil calcular a taxa de retorno”, afirma. Boa notícia nos números do PIB de 2012, destaca Pessôa, foi o avanço de 0,5% na formação bruta de capital fixo no quarto trimestre, ante previsão do Ibre de retração de 1,6%, o que já sinaliza o começo da reação. “Os empresários têm dúvidas, mas uma hora têm que investir”, diz.

A persistência da inflação acima do centro da meta é a principal preocupação do economista, que vê leniência por parte do governo com a alta dos preços. O Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) de fevereiro, que apontou expansão de 0,6% e fez a inflação em 12 meses alcançar 6,31%, só reforçou sua opinião de que esse movimento deve ser combatido com um novo ciclo de aumento de juros em 300 pontos, a ser iniciado imediatamente. “Uma aceleração maior da inflação é uma das poucas coisas que podem colocar em risco a reeleição da presidente Dilma.”

Apesar de defender a elevação da Selic, Pessôa afirma que o governo recorrerá antes disso a mais uma rodada de desonerações – “que mantêm a inflação artificialmente mais baixa”, como a da cesta básica, anunciada na sexta-feira pela presidente Dilma, confirmando as previsões do professor, que deu a entrevista dias antes do anúncio da medida. A seguir, os principais trechos da entrevista, publicada com exclusividade no Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor:

Valor: No ano passado, o governo anunciou uma série de medidas para estimular a economia, e o PIB cresceu só 0,9%. O que deu errado?

Samuel Pessôa: O baixo crescimento de 2012 é fruto da associação de uma desaceleração cíclica da economia, da enorme queda do investimento, com a tendência declinante da taxa de crescimento de longo prazo da economia brasileira. Aqueles 4% ao ano que crescemos na época do governo Lula ficaram para trás. Hoje, em condições normais de temperatura e pressão, cresceremos alguma coisa mais para 3%. O fenômeno da aceleração de crescimento no governo Lula foi de produtividade, colheita de uma série de reformas feitas no governo FHC e nos três primeiros anos do governo Lula.

Valor: O que mudou de lá para cá?

Pessôa: Quando houve a saída do ministro Antonio Palocci, num primeiro momento, e depois a transição do governo Lula para o governo Dilma, iniciou-se um longo processo, lento e politicamente muito bem conduzido, de mudança na gestão da política econômica. O ministro Guido Mantega, de forma muito competente, foi implantando sua agenda, que também é a agenda da presidente Dilma.

Valor: Que agenda é essa?

Pessôa: Passamos a acreditar mais no Estado como promotor do crescimento. É uma mudança ruim, porque a forma como o governo FHC estabeleceu os limites entre a atuação do setor público e do setor privado é mais eficiente. O setor privado ficava mais livre para decidir a alocação dos recursos. Agora você tem uma parte social, que acho que é muito parecida com a de FHC, com algumas inovações muito interessantes como o programa Bolsa Família, que é um enorme acerto da gestão do Lula, mas você teve na parte econômica uma mudança grande.

Valor: O que derrubou o investimento no ano passado?

Pessôa: Dois fatores: um mais estrutural, que está colocando o investimento do país em um nível mais baixo, que é uma piora de gestão de política econômica como um todo, que houve nos últimos anos, no meu entender. Em associação a isso, houve um problema de expectativas e de comunicação do governo com o mercado, que ficou com muitas dúvidas e incerteza sobre o que ia acontecer, e postergou projetos de investimento.

Valor: O sr. vê excesso de intervencionismo por parte do governo?

Pessôa: Acho que houve exagero em inúmeras áreas. Primeiro o BNDES: os recursos que foram alocados nos últimos seis ou sete anos, completamente fora da realidade da economia brasileira. Depois disso a gente teve uma série de mudanças de alguns marcos regulatórios, que acho que foram desastrosas, em particular o marco regulatório do petróleo. Esse novo marco regulatório é uma grande confusão, não está funcionando. A gente não teve nenhum leilão e o novo marco jogou um peso enorme sobre a Petrobras, que está descapitalizada. A produção de petróleo só cai, a gente está com desempenho muito ruim, o déficit da balança comercial de combustíveis é altíssimo e só aumenta anualmente. Os planos de produção da Petrobras são frustrados. Tivemos também a introdução de uma coisa que chamei de microgerenciamento de política econômica.

Valor: O que é isso?

Pessôa: É assim: para cada setor que a gestão da política econômica acha que há algum problema, você faz uma política para aquele setor.

Valor: Como a desoneração das folhas de pagamento….

Pessôa: Por exemplo. É como se o gestor da política econômica, que está lá na Fazenda, tivesse bola de cristal e conseguisse entender como funciona a economia em cada um dos setores. Aí ele pega a mão em todo esse dinheiro e põe um pouquinho aqui, um pouquinho ali, em vez de criar regras horizontais para todo mundo e deixar o mercado atuar.

Essa desaceleração que estamos vivendo é, em alguma medida, resultado do excesso de intervencionismo”

Valor: Qual a influência dessa gestão “micro” na economia?

Pessôa: Muitas vezes há impacto ruim em outros setores. O melhor exemplo é esse: eu coloco o imposto de importação para ajudar a indústria. Alguns pensam: aumenta a rentabilidade, a economia está mais fechada e o setor repassa uma parte [aumentando os preços]. Gera uma pressão inflacionária. Aí o ministro vai lá e diz que vai baixar o imposto. Outro exemplo, que achei excelente, é a política de controlar a inflação impedindo o aumento da gasolina. Você quebra a Petrobras. E, depois de um tempo, você precisa dar mais dinheiro para o BNDES, para ele emprestar baratinho para a Petrobras arrumar a vida. Outro efeito: o preço da gasolina fica baixo, ninguém mais enche o tanque com álcool e você quebra o setor sucroalcooleiro. E aí eu vou ter que salvar as usinas em algum momento. É um dominó. É na microeconomia que essa equipe erra muito.

Valor: Faltou confiança do investidor?

Pessôa: Acho que o ano passado foi um ano em que faltou confiança, e isso explica o fato de os investimentos andarem para trás. A gente espera que neste ano haja uma recuperação do investimento, junto com uma recuperação da economia. A minha interpretação é de que essa desaceleração que nós estamos vivendo é, em alguma medida, resultado desse excesso de intervencionismo, que tem dois efeitos: primeiro, reduz a eficiência da economia e, segundo, afugenta o investimento, porque mexe na expectativa e causa incerteza. Nós tínhamos um regime de política econômica muito articuladinho, que a gente sabia exatamente como funcionava. Agora não se sabe mais quais vão ser as regras do jogo. A gente não sabe mais se vai ter IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados ], ou não vai ter IPI, se vão manter as alíquotas de importação mais altas para os cem produtos. Então é difícil um empresário fazer o cálculo de taxa interna de retorno, para saber se vale a pena, ou não, o investimento. Evidentemente esse crescimento medíocre do ano passado também tem uma componente cíclica grande, não é estrutural. A economia por conta do estatismo e das ineficiências não passou a crescer menos de 1% ao ano. Esse crescimento nesse ritmo [muito fraco] não vai permanecer.

Valor: Por que o sr. prevê que o investimento vai voltar a crescer em 2013?

Pessôa: Os empresários têm dúvidas, mas uma hora têm que investir. Até porque a economia está crescendo pouco, mas não está parada. Quem não investir vai perder market share.

Valor: Qual seria o papel do câmbio na economia?

Pessôa: Eu prefiro aquele regime de política econômica que vigorava o ano passado. O câmbio hoje não é flutuante, é rígido. Eu gosto de um câmbio que flutue mesmo, e com a política monetária decidida para resolver o problema inflacionário. Nossa indústria vai ter que se ajustar à nova realidade, mas não me preocupa muito por dois motivos: o primeiro é que acho que esse choque é perene. A China e a Índia não vão sumir do mapa: certa demanda por recursos naturais vai durar por algumas décadas. Eu penso que uma especialização maior na produção de bens primários seria totalmente natural, dadas duas características da nossa economia, que são a baixa poupança e a belíssima dotação de recursos naturais.

Valor: A especialização em produzir bens primários não seria pior sob a óptica da geração de empregos?

Pessôa: Se a indústria diminuir um pouco, o que já está acontecendo e vai continuar, é o crescimento do setor de serviços. Tem gente que acha que os empregos da indústria são melhores, que a indústria emprega mais, mas não vejo evidência consistente de que isso seja verdade. Não vejo nada de especial na geração de emprego da indústria.

Valor: A redução do tamanho da indústria não seria ruim para a economia?

Pessôa: Desindustrialização é a queda da participação da indústria no PIB. Se faço políticas para não desindustrializar, o que acontece? O PIB cresce pouco. Então, o que é melhor para a indústria? Ter uma participação menor de um PIB muito maior, ou uma participação maior de um PIB muito menor? Eu acho que melhor é um PIB maior. A indústria se inventa, se especializa em alguns setores, é possível que algumas partes do processo produtivo fiquem aqui, outras partes vão para a Índia, é muito difícil a gente no gabinete imaginar todas as possibilidades. Esse processo aconteceu nos Estados Unidos, a indústria americana encolheu, mas sobreviveu bem, não há nenhum sinal de que vá acabar a indústria americana. Pelo contrário, ela está voltando forte.

Valor: O senhor vê estagflação no Brasil?

Pessôa: Tem um quê de estagflação, porque foi um crescimento medíocre, que não afetou a inflação. Vários analistas argumentam que estamos em um processo de mudança de preço relativo. Os serviços estão ficando mais caros, você teve toda uma incorporação da classe média ao mercado de consumo, e os preços de serviços sobem muito mais. Eu discordo um pouco dessa tese, porque a meta de inflação é alta, de 4,5%. Então, posso ter serviços correndo a 8%, os outros preços correndo a 4%, e a inflação a 6%, que é o que eu tenho tido, ou posso ter serviços correndo a 6%, os outros preços correndo a 2%, e a inflação a 4%. O fato de haver mudança de preço relativo não justifica que a inflação fique persistentemente acima da meta.

Uma aceleração da inflação é uma das poucas coisas que podem colocar em risco a reeleição da presidente”

Valor: Tolerar a inflação acima do centro da meta é perigoso?

Pessôa: Acho que ela é ruim. Quando a gente usa a palavra perigo, eu acho que é um pouco forte, porque parece sugerir que estamos à beira de um descontrole, e não me parece que haja nada próximo disso. Quem viveu a hiperinflação sabe que a gente está longe disso. Mas a inflação é um processo que vai corroendo aos pouquinhos, a inflação mais alta é sempre ruim: para os contratos, para a previsibilidade e para a indexação. Muitos anos com a inflação a 6%, quando a gente quiser baixá-la para 4% vai ser um custo maior. Eu agora não estou falando nem como economista mais. Como cidadão, tenho uma tolerância muito baixa à inflação. Passei a minha vida toda em fila de banco, eu odeio a inflação. Eu prefiro crescimento mais baixo à inflação. E que a sociedade vá negociando no Congresso Nacional suas demandas, seus conflitos distributivos, de forma mais civilizada. Acho que a inflação é uma forma pouco civilizada de a gente negociar conflito contributivo, e ela sempre acaba pegando o mais fraco.

Valor: O sr. vê necessidade de um aperto monetário?

Pessôa: Vejo. Acho que tinha que começar agora, de uns 300 pontos. É muito difícil fazer essa conta, mas 300 pontos este ano tirariam 1,5 ponto de inflação no ano que vem. E colocariam a inflação na meta em 2014. Eu era daquelas pessoas que achavam que não se deveria baixar os juros em agosto de 2011. E acho que, de fato, olhando retrospectivamente, acho que o movimento do Banco Central foi correto. Posso fazer críticas quanto à intensidade do movimento, talvez devesse ter reduzido à metade. E críticas à forma de comunicação. Mas, de fato, acho que agora passou do ponto, a inflação está acelerando muito, vai ter que em algum momento ter um ciclo [de alta] dos juros. Pode ser neste ano, pode ser no ano que vem, pode ser em 2015.

Valor: O sr. acredita que o Banco Central fará isso?

Pessôa: Eu sou um péssimo entendedor da linguagem do BC.

Valor: Desse BC ou de BCs em geral?

Pessôa: Acho que esse BC tem se comunicado pior. Houve mais de um episódio em que me parece que a comunicação não foi muito clara. Tenho mais dificuldade ainda de entender como eles vão se comportar. Por um lado, a gente vê o governo dizendo que o câmbio não é instrumento. Aí no outro dia, a gente vê o governo dizendo que vai baixar tarifa de quem está abusando, isso é meio equivalente a câmbio. Estou com dificuldade de extrair o sinal. Acho que, em algum momento, terá que vir um aumento de juro, porque acho que o juro neutro da economia brasileira é maior do que 2%, independentemente do que aconteça nos EUA. Se [o aumento] vai vir este ano, em 2014, ou só depois das eleições, é difícil imaginar. Olhando a forma como a política econômica tem sido formulada, me parece que eles vão manter a Selic baixa o prazo mais longo possível. Se eles encontrarem instrumentos alternativos, novas desonerações para manter a inflação abaixo do teto da meta sem precisar subir a Selic, acho que eles vão fazer. Antes de aumentar a Selic, nós teríamos uma nova rodada de desonerações como a da cesta básica, esperada e legítima, de impacto social importante. Eu posso ir fazendo desonerações pontuais, que eu artificialmente vou mantendo a inflação mais baixa. Eu mantenho a inflação artificialmente mais baixa e sistematicamente a característica da inflação vai piorando: núcleos mais altos, difusão mais alta, inflação de serviços mais alta, e uma inflação mais baixa porque eu desonero aqui, desonero acolá.

Valor: Valeria a pena deixar o desemprego aumentar para controlar a inflação?

Pessôa: Há indicadores de que o mercado de trabalho está muito aquecido, aumentos salariais muito altos. Se for verdadeira essa percepção, como acho que é, a única forma de controle é desaquecer o mercado de trabalho e aumentar a taxa de desemprego. É ruim, o desemprego é péssimo. Mas a gente sabe que a inflação também é muito ruim. Seria um aumento em torno de um ponto percentual [da taxa de desemprego], algo assim. Mas é muito difícil que o controle inflacionário seja indolor.

Valor: Qual sua previsão para o aumento de juros do BC, caso ele ocorra?

Pessôa: Acho que hoje, se vier um ciclo aumento da taxa Selic, acho que vai ser de 100, 150 pontos, o que ajuda, tira uns 70 pontos da inflação no ano que vem. Já seria bom.

Valor: Nos últimos dias, o governo tem concentrado o discurso em torno da inflação, enfatizando que o controle é prioridade. Como o sr. avalia essa resposta?

Pessôa: Esse discurso é importante. Vejo uma preocupação real, não é só para inglês ver. Uma aceleração maior da inflação é uma das poucas coisas que podem colocar em risco a reeleição da presidente Dilma, que está em uma posição muito confortável hoje para se apresentar como candidata no ano que vem.