O câmbio no centro da política econômica

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Cristiano Romero

Valor Econômico – 30/01/2013

 

Tudo indica que o governo começa a reconhecer que não é possível atingir todos os objetivos ao mesmo tempo – juro baixo, câmbio desvalorizado, gasto público crescente, economia acelerada e inflação cadente. Nos últimos dias, a presidente Dilma Rousseff deixou claro, em vários discursos, que as principais metas de seu governo agora são manter os juros baixos e reduzir custos de produção (corte da tarifa de energia à frente).

Dois aspectos da política econômica recente sumiram da fala presidencial: a promessa de crescimento elevado do Produto Interno Bruto (PIB) e a defesa de uma taxa de câmbio desvalorizada em relação ao dólar. Não se trata de abrir mão de uma expansão mais rápida da economia, mas de admitir que essa batalha está, pelo menos por ora, perdida. Depois de crescer 2,7% em 2011, o PIB pode ter avançado menos de 1% em 2012 e caminha, pelo jeito, para mais um resultado frustrante em 2013.

No caso do câmbio, trata-se de uma mudança de rumo, sinalizada em dois documentos cruciais do Banco Central (BC) – o Relatório de Inflação de dezembro e a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) – e confirmada por ações recentes da autoridade monetária. Sem poder recorrer ao aumento da taxa de juros (Selic) e sem contar com o esforço fiscal necessário para controlar a demanda agregada, o BC vai usar o câmbio para segurar a inflação nos próximos meses.

Atuação do BC no câmbio tem aval da Fazenda e de Dilma

Depois de sofrer depreciação de 30% entre setembro de 2011 e setembro de 2012, a taxa de câmbio voltou a apreciar. Desde o pico de depreciação mais recente (no início de dezembro, foi a quase R$ 2,12), teve valorização de 6,07%, segundo cálculo do Valor Data. Não se deve esperar um retorno aos níveis anteriores à grande depreciação de 2011/2012, mas é possível que a taxa caminhe para um valor mais baixo, o suficiente para melhorar as expectativas de inflação, que seguem em franca deterioração.

Ontem, o câmbio caiu abaixo do piso simbólico de R$ 2,00, fixado, no ano passado, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. A atuação do BC na segunda-feira não deixou muitas dúvidas sobre seu propósito neste momento – a instituição antecipou, em alguns dias, uma operação de swap que funciona como uma venda de dólares no mercado futuro, e fez isso num dia em que moedas de vários países estavam se depreciando em relação ao dólar.

O movimento do BC não é um voo solo. Ele é coordenado com o restante da equipe econômica e tem o aval do Palácio do Planalto. “As coisas são conversadas. Esta equipe econômica funciona como equipe, ao contrário do que ocorria no governo anterior. Existe uma coordenação e a preocupação de todos neste momento é com os índices recentes [de inflação]”, informou uma fonte graduada.

Para o Ministério da Fazenda, é difícil admitir que a política deliberada de desvalorização do real foi abandonada. Quando o dólar estava cotado a R$ 2,05, o ministro Guido Mantega chegou a afirmar publicamente que a moeda brasileira ainda estava 19% apreciada. Ao mesmo tempo, não se deve esperar que a diretoria do BC confirme oficialmente a política de apreciação do real para combater as pressões inflacionárias deste início de ano.

No regime de câmbio flutuante, a atuação do BC no mercado depende menos de preço e mais de liquidez. Suas intervenções visam tornar o mercado funcional, diminuir a volatilidade (que prejudica o comércio exterior) e acumular reservas. Dificilmente o BC será visto assumindo o uso da taxa de câmbio como instrumento de combate à inflação, mesmo que isso tenha sido feito em vários momentos desde o lançamento do Plano Real.

O câmbio é uma variável de ajuste da inflação que não derruba a economia, ao contrário do que ocorreria se o BC recorresse aos juros. A apreciação cambial ajuda a segurar os preços domésticos e, portanto, a aumentar o poder de compra da moeda nacional, elevando a sensação de bem-estar da população. Além disso, dá um ganho de capital às empresas, à medida que barateia a importação de máquinas e equipamentos.

Reside nesse ponto um aspecto crucial do debate. Uma corrente de economistas, identificada com os desenvolvimentistas e com grande influência sobre o governo Dilma, acredita que a desvalorização do real é crucial para salvar a indústria brasileira, acossada por ineficiências domésticas e pelas chamadas “guerras cambiais” em curso no mundo. Outros fatores podem ter contribuído para a situação atual, mas o fato é que a perda de valor do real entre 2011 e 2012 não ajudou o PIB brasileiro a acelerar o passo.

Uma outra corrente de economistas – o professor Afonso Celso Pastore foi pioneiro em defender essa tese – acredita que a apreciação do real, ao diminuir o custo de bens de capital importados, estimula o investimento privado. Quando o câmbio desvaloriza, o investimento cai (ver gráfico, que mostra essa relação desde o primeiro trimestre de 2003). Ambos (câmbio e investimento) dependem de confiança e refletem o valor dos ativos brasileiros. Quando o valor dos ativos cai, o câmbio deprecia e o ânimo para investir vai embora (ademais, porque os bens de capital ficam mais caros).