Sem motivo para orgulho

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Autor(es): ROSANA HESSEL

Correio Braziliense – 25/01/2013

 

 

Apesar dos avanços econômicos dos últimos anos, o país está apenas na 37ª posição em ranking de qualidade de vida da população

 

Nos últimos anos, o Brasil ganhou o status de potência econômica mundial. Em 2012, com um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 2,42 trilhões, ocupou a posição de sétima maior economia do mundo, depois de ter figurado momentaneamente, no ano anterior, em sexto lugar, à frente do Reino Unido. O país tem avançado também em outros aspectos, como melhoria de renda das classes mais baixas. Tudo isso, no entanto, ainda não foi suficiente colocar o país na linha de frente das nações em que a população desfruta de boa qualidade de vida. Nesse campo, estamos muito atrasados e em situação pior da existente em países muito mais pobres ou que atravessam crises gravíssimas, como a Grécia.

Ao longo desta semana, em uma série de reportagens, o Correio mostrou a vida difícil dos brasileiros que vivem na periferia dos grandes centros ou em locais distantes do interior, abandonados pelo poder público. Nessas regiões, faltam serviços essenciais, como fornecimento de água, saneamento básico, hospitais, salas de aula, bancos, correios e até luz elétrica. Esse retrato dramático das carências nacionais, que ainda sujeita mais da metade dos brasileiros a viver sem coleta de esgotos, por exemplo, se reflete em estatísticas e estudos que procuram avaliar não apenas o PIB, mas a efetiva qualidade de vida da população.

Uma pesquisa da consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), divulgada no fim do ano passado, é um exemplo de quanto ainda precisamos evoluir. No levantamento, apesar de ter uma das 10 maiores economias do planeta, o país não é um dos 10 melhores lugares do mundo para se nascer — ocupa a 37ª posição de um ranking liderado pela Suíça, com a Nigéria em 80º e último lugar. A Argentina ficou no 40° posto, mas à frente do Brasil estão Chile (23º), República Tcheca (28º), Costa Rica (30°), Polônia (33º) e Grécia (34º). O estudo leva em conta variáveis como renda, taxa de criminalidade, igualdade entre homens e mulheres, qualidade da vida familiar e comunitária, expectativa de vida, liberdade política e transparência e eficiência do governo.

 “O Brasil ainda é muito desigual de origem e, tendo em vista que só há pouco começamos a combater a pobreza, isso nos deixa atrás desses países citados”, avaliou o professor de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília Creomar de Souza. “Acredito que temos melhorado, mas a questão primordial é a baixa velocidade das mudanças”, completou. Esse ritmo lento é o que explica por que o país, apesar dos ganhos registrados nas últimas décadas, perdeu terreno no ranking dos que oferecem boa qualidade de vida. Em termos simplificados, outras nações se desenvolveram mais rápido. 

Perdendo terreno
Em 1988, levantamento semelhante da EIU trazia o Brasil na 30º colocação e os Estados Unidos na liderança. A Grécia estava em 27º, a Argentina, em 21º, e o Chile nem aparecia na lista. O economista responsável pela pesquisa atual, Laza Kekic, não se sentiu à vontade para comparar os dois estudos. “As metodologias são diferentes, por isso eles não são comparáveis”, afirmou.

Especialistas ouvidos pelo Correio, no entanto, explicam que, para entender a perda de posição brasileira, basta olhar para duas referências fundamentais quando o assunto é nível de vida: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), e o Índice de Percepção da Corrupção (CPI, na sigla em inglês), da Transparência Internacional (TI). Neles, o Brasil aparece na 84º e na 69ª colocações, respectivamente. “O avanço da renda do brasileiro não é suficiente para garantir a ele boa qualidade de vida”, disse Otto Nogami, professor de Economia do Insper. “Ainda há muito a ser melhorado em áreas como transporte urbano, saúde e educação.”

O IDH é elaborado com base em dados sobre o nível educacional da população, renda per capita e expectativa de vida ao nascer. O país avançou nesses três itens, mas não tanto quanto necessário. A expectativa de vida chegou a 73,4 anos, a renda per capita mais que dobrou entre 1988 e 2012, alcançando a US$ 12,02 mil, mas a educação ficou para trás. “O aumento da renda do brasileiro foi focado no consumo, e o salto de classe social não sofreu ganhos qualitativos. Priorizou-se a cultura do ter, e não se agregaram valores que só se obtêm com educação em um nível mais elevado. É com ela que conseguiremos dar um salto mais expressivo nesses outros rankings”, afirmou a psicóloga e diretora executiva do CPM Research, Oriana Monarca White.

Na década de 1970, a Coreia do Sul — que tem população um pouco maior do que do estado de São Paulo e dimensões semelhantes às de Santa Catarina — tinha um PIB inferior ao do Brasil. Mas priorizou a educação e iniciou uma arrancada que a levou a ostentar, hoje, a 15ª colocação do IDH. Dos 49,7 milhões de habitantes, 99% são alfabetizados e têm acesso ao que há de mais moderno em matéria de tecnologia. Em termos de qualidade do sistema educacional, o Brasil ficou em penúltimo lugar em um ranking de 40 países em outro estudo encomendado pela EIU. A Coreia do Sul foi a vice-líder, atrás da Finlândia.

Violência
Na avaliação de Oriana, a valorização do consumo pode ter ajudado a estimular a economia nos últimos anos, mas gerou animosidade entre os que têm menos ou poucos bens. Isso explicaria, em parte, o aumento da violência nos grandes centros urbanos e o uso de drogas, por exemplo. Ela cita também o aumento na percepção de corrupção na esfera pública, devido, especialmente, ao maior acesso à informação. No geral, países mais corruptos são os que têm piores indicadores sociais, já que recursos públicos que poderiam ser empregados em programas para beneficiar toda a população são desviados em nome de grupos que se aproveitam das fragilidades no controle das finanças do governo.

O diretor do escritório brasileiro da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), Carlos Mussi, pondera que é difícil comparar os dois estudos da EIU, mas reconhece que a desigualdade ainda é evidente no Brasil, apesar de o país ser admirado pelos nossos vizinhos latino-americanos mais pobres. “A qualidade de vida para a maior parte da população melhorou em termos de emprego e renda, mas o desafio, em geral, é a qualidade dos serviços públicos e da infraestrutura do país. Eles não acompanharam o crescimento”, pontuou. 

Nogami, do Insper, também ressalta as diferenças entre os dois estudos da EIU e lembra que a pesquisa, além de considerar fatores empíricos, a exemplo de indicadores econômicos, políticos e sociais, também leva em conta elementos subjetivos. “Não podemos interpretar tudo o que mostra o estudo, mas uma leitura superficial aponta o abismo social que ainda existe no Brasil e a necessidade de melhorar a infraestrutura, especialmente em relação à saúde pública e ao saneamento básico”, ressaltou. Para Creomar Souza, é preciso ainda “definir um modelo educacional consistente, que prepare as futuras gerações para os desafios de uma economia global cada vez mais complexa”. Além disso, pondera, “os serviços públicos precisam estar focados no atendimento ao público e não no conforto do servidor”.

Reformas necessárias
Os especialistas observam que além de melhorar a educação e a infraestrutura, é preciso realizar as reformas estratégicas, como a tributária. “Uma empresa quebra aqui de tanto imposto que tem de pagar”, critica Oriana White, da CPM Research. Otto Nogami, do Insper, adverte que o país subiu no ranking econômico não apenas devido ao próprio crescimento, mas porque outras economias encolheram. “Quando a Europa sair da crise, o Brasil, se ficar parado, pode não se sustentar entre as 10 maiores economias”, comenta.