A divergência em torno do superávit

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Autor(es): Ribamar Oliveira

Valor Econômico – 29/11/2012

 

 

O Banco Central está trabalhando com a meta cheia de superávit primário de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2013, sem o desconto dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas é muito improvável que isso venha a acontecer. A obtenção da meta cheia no próximo ano, depois do fraco desempenho fiscal de 2012, é quase impossível, pois dependeria de um crescimento muito expressivo da economia, que garantisse uma elevada arrecadação, e de consideráveis receitas extraordinárias, nas dimensões daquelas ocorridas em 2011.

Mas esse não é o único e talvez nem mesmo o maior obstáculo. Perseguir a meta cheia a ferro e fogo significará, entendem fontes do governo, o sacrifício dos investimentos públicos em infraestrutura e a interrupção do processo de desoneração da indústria tão importante para aumentar a competitividade dos produtos brasileiros. Em sua recente entrevista ao Valor, a presidente Dilma Rousseff disse que o governo vai avançar na desoneração da folha de pagamento, além dos 40 setores que já foram contemplados.

A substituição da atual contribuição patronal de 20% ao INSS por uma contribuição sobre a receita, de 1% ou 2%, dependendo do setor, tem efeito considerável sobre a arrecadação da Previdência Social, como mostram os resultados registrados em setembro e outubro deste ano. Além da perda de receita, há uma elevação das despesas do Tesouro Nacional, que, por lei, é obrigado a compensar a Previdência pelas perdas. A proposta orçamentária de 2013 prevê uma despesa de R$ 15 bilhões do Tesouro com a desoneração somente dos 40 setores.

BC defende meta cheia, mas haverá desconto

O debate fiscal dentro do governo parte da constatação, aceita hoje unanimemente pelos economistas, de que o setor público brasileiro não tem mais um problema de solvência em suas contas. Um superávit primário de apenas 1,5% do PIB é suficiente para estabilizar a dívida pública líquida em comparação ao PIB. Mesmo assim, o governo deseja manter a dívida líquida em trajetória de queda, pois entende que esse comportamento irá distinguir o Brasil no atual cenário internacional, marcado por uma desconfiança dos mercados na capacidade de várias nações europeias pagarem suas dívidas. Com a melhora progressiva desse indicador, a percepção dos investidores do risco da economia brasileira melhorará, o que ajudará a reduzir o custo da captação externa do governo e das empresas.

Se, para manter a dívida em trajetória de queda, um superávit primário de 1,5% é insuficiente, a questão é saber qual é o nível de superávit que deve ser perseguido daqui para frente. Para responder a essa pergunta é necessário avaliar o comportamento de uma das principais despesas públicas, que é o pagamento de juros das dívidas. Com a expressiva redução da taxa Selic pelo Banco Central desde agosto de 2011, a conta de juros também começou a cair. No ano passado, ela chegou a 5,7% do PIB. Neste ano, a previsão é ficará em torno de 5%.

Ao decidir reduzir a sua meta de superávit primário neste ano em R$ 25,6 bilhões, o governo federal nada mais fez do que ocupar o espaço fiscal aberto pela queda da despesa com o pagamento dos juros da dívida. Os R$ 25,6 bilhões correspondem a 0,6% do PIB, o que é mais ou menos a queda esperada da despesa com o pagamento de juros nominais neste ano. A diminuição do superávit do setor público consolidado será um pouco maior por causa dos Estados e municípios, que também não cumprirão a sua meta deste ano. A redução do superávit primário explica porque o déficit nominal do setor público permanecerá estabilizado, em comparação com 2011.

É provável que o governo adote, em 2013, a mesma estratégia de ocupar o espaço fiscal aberto pela redução da despesa com juros, talvez não na mesma intensidade deste ano, uma vez que a arrecadação tributária será muito melhor, em virtude da retomada da atividade econômica. Isso significa que o governo poderá trabalhar com uma redução da meta de superávit primário de 0,5% do PIB ou 0,6%, ou seja, obter um resultado positivo equivalente a 2,5% do PIB. Os técnicos acreditam que esse resultado é suficiente para reduzir a dívida líquida para 30% do PIB em futuro próximo, desde, é claro, que a economia cresça 4% ao ano e não haja elevação expressiva da taxa de juros.

Resta avaliar uma última questão. Depois de todo o ajuste a que foi submetido nos últimos 13 anos, o Brasil tornou-se um país igual aos demais, em que a política fiscal passa a ser avaliada pelo seu impacto na demanda agregada da economia, na medida em que se deseja manter a inflação sob controle. Ao defender que o superávit primário de 3,1% do PIB seja obtido, o BC certamente está avaliando que o cumprimento da meta cheia o ajudará a manter a Selic estável por um tempo prolongado.

A questão inicial é saber se a obtenção de um superávit primário de 3,1% com os usuais artifícios contábeis dos últimos anos, como a extração exagerada de dividendos de empresas estatais, ajuda a conter a demanda agregada. De qualquer forma, em um cenário de redução do superávit primário, é provável que o BC lance mão de medidas macroprudencias, mantendo os juros estáveis e o câmbio depreciado, como informou ontem o colunista Cristiano Romero, do Valor.

Como a meta fiscal formal será mantida, pois não há notícia de que o governo pretenda alterar a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) válida para 2013, que fixou o superávit primário, haverá uma dose de incerteza na política econômica, pois o superávit primário a ser obtido dependerá de comunicado do ministro da Fazenda, que geralmente é tornado conhecido no fim de cada ano.

Seria mais razoável que o governo aproveitasse essa oportunidade única, dada pela queda da despesa com juros, para adotar a meta de resultado fiscal estrutural, que exclui do cálculo todas as receitas atípicas e decorrentes do ciclo econômico e também os artifícios contábeis. O governo teria a folga fiscal que deseja, mas colocaria em prática uma política cuja execução poderia ser acompanhada pela sociedade.

Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras